quarta-feira, 16 de setembro de 2015

UMA PERDA QUE NÃO FOI

  Olá, amigos.
Gostaria de compartilhar um episódio que ocorreu comigo em 25/JUL/2015.
Segue abaixo o texto que eu havia postado no facebook sobre esse episódio.
Abraços
Carlos E Elias

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             UMA PERDA QUE NÃO FOI

    Hoje , enquanto minha esposa estava no salão de beleza (ela não precisa dessas coisas - já é bela demais!), resolvi ficar com os nossos dois filhos caninos, o Bolota e o Sushi, no lado de fora de um restaurante na quadra 104 do Sudoeste.
    Amarrei a guia das coleiras dos cachorros na minha cadeira e fiquei lendo um pouco sobre "Pocock", para municiar-me com os subsídios necessários para elaborar um trabalho de uma disciplina do mestrado.
   Com a leitura, minha mente desconectou-se do mundo sensível e flutuou nas asas do pensamento jusfilosófico do Século XV na Inglaterra, procurando entender as formas jurídicas adotadas no mundo anglo-saxão.
  E, enquanto isso, na Terra, meu filho canino mais velho escreve um drama lancinante.
  Ele, o Bolota, desvencilha-se da coleira e deixa-a, vazia, presa à minha cadeira. E, na sua ingenuidade pueril, com o sorriso aberto e a língua para fora, sai, errádico, a desfilar com o seu charme pela comercial da quadra 104, deixando, em cada pilastra, um registro físico do seu "Bolota esteve aqui". Mas esses rastros não seriam inteligíveis para mim. E o Bolota ignorava os perigos que lhe rondavam.
 De repente, uma senhora, que saía de uma loja rumo ao carro, fita os olhos no Bolota e - não sei com qual intenção - pergunta a dois nobres senhores que estavam parados se aquela meiguice ambulante lhes pertenciam.
  Um dos senhores, querendo repelir a possível tentação de apropriação indébita que incitava aquela senhora, responde que sim, ao que a referida senhora seguiu (sozinha - ufa!) seu rumo ao carro.
  Imediatamente, os dois nobres senhores decidem ir em busca do desatento pai daquele errante cachorro.
 Enquanto isso, eu continuava perdido no mundo filosófico da Inglaterra do Século XV em busca de conexões com o Direito contemporâneo, com a falsa sensação de que meus filhos caninos estavam seguros ao meu lado, ao conforto da serena tarde de Brasília.
 E, ao despretensiosamente erguer meus olhos do livro para a rua principal, meu espírito abruptamente retornou de sua viagem. Vi, entre braços de um daqueles nobres senhores, o rosto peludo, faceiro e puro do Bolota.
 Pensei que se tratava de algum ousado cachorro que tentara copiar a beleza do meu primogênito canino. E, para confirmar que essa réplica não poderia superar a candura do verdadeiro Bolota, baixei meus olhos ao chão e me assustei: somente o Sushi e uma coleira vazia repousavam inertes junto a mim.
  Assustei-me.
  Não se tratava de uma cópia! Era o próprio Bolota!
  Interpelei, imediatamente, o nobre senhor, com voz de desespero, e ele, ao perceber que sua jornada chegara a bom termo, logo veio entregar-me de volta o meu filho canino.
  Eu, sem perceber, havia perdido e recuperado um filho canino. E não sofri a dura sensação da saudade, que, como dizia Chico Buarque, "dói como um barco que, aos poucos, descreve um arco e evita atracar no cais".

  Aprendi que é perigoso e negligente deixar nosso espírito divagando na distante Inglaterra do Século XV, quando nosso corpo está cuidando de preciosidades insubstituíveis.
  Aprendi, também, que, em um mundo de tanta má-fé, ainda resistem bravamente nobres indivíduos de boa-fé.
  Aprendi, igualmente, com essa saída despreocupada do Bolota por essas esquinas perigosas da vida, que os cachorros, "no mais das vezes, andam perdidos em um mundo distante, cheio de magias, aventuras e canções, e nós nem sequer podemos tocar-lhe a alma", parafraseando Vinícius de Moraes.
 E, ainda, por meio de uma chibatada de disciplina, percebi que necessitamos ter muito mais prudência para não sofrer perdas irreparáveis.

  Graças a Deus pela lição e pela proteção dispensada ao nosso primogênito canino.

 E sou eternamente grato aos nobres senhores que figuraram, como anjos, nesse pequena drama, que poderia ter degenerado para uma tragédia. Os simples mimos que lhes entreguei como recompensa não pagam, nem de longe, o resgate e a lição.
  Um dos nobres senhores é o sr. Hamilton, um leal protetor do condomínio do Bloco B.
  O outro é o marido da proprietária da loja "Depil Line Depilação", situada no subsolo do Bloco B da CLSW 104 (telefone 3341-3910).

 Homens como esses precisam ser homenageados e erguidos como exemplos a serem seguidos pela sociedade.

 E, quanto a mim, aprendi a lição: é preciso concentrar-se mais e ser mais prudente.

  O Bolota foi uma perda que - graças a Deus - não foi.