Aproveitando a crise da gasolina, que já saltou para quase R$ 10,00 em razão da greve, lembro que, como estamos diante de um evento extraordinário e imprevisível, é viável a resolução ou a revisão de contratos firmados anteriormente se, com o aumento exagerado do preço da gasolina, a prestação vier a se tornar extremamente onerosa para uma das partes e se houver extrema vantagem para a outra. Trata-se da teoria da imprevisão, uma filha da cláusula “rebus sic standibus” (art. 317 e 417, CC).
Se, porém, o prejudicado for consumidor, a regra será mais generosa. Aplicar-se-á a teoria do rompimento das bases objetivas do contrato, sediada no art. 6º do CDC, a qual, ao contrário da teoria da imprevisão do CC, contenta-se com apenas a onerosidade excessiva da prestação por um fato superveniente.
A ocasião ainda desperta a lembrança para outros institutos de direito civil, como a discussão sobre a possibilidade de esse caso fortuito afastar a responsabilidade civil e a mora. Se a responsabilidade civil for objetiva, temos de analisar se o evento é um fortuito externo ou interno. Entendo que é externo como uma regra geral por não ser inerente aos riscos dos negócios e, portanto, exclui a responsabilidade. Se a responsabilidade for subjetiva, ela está excluída em qualquer tipo de caso fortuito, pois este rompe a culpa. A mora segue a mesma sorte, pois, salvo os casos de responsabilidade objetiva, ela depende da culpa para se caracterizar.
Também podemos discutir se os contratos de compra de combustível pelo consumidor poderiam ser declarados nulos em razão da aplicação da lesão consumerista, prevista no art. 6 do CDC, e que, ao contrário da lesão especial prevista no art. 157 do CC, satisfaz-se apenas com a onerosidade excessiva da prestação. Se o adquirente não for consumidor, a solução é de aplicar a lesão especial, que exigirá prova também da “premente necessidade” ou da “inexperiência” do comprador.
Enfim, apesar das consequências no Direito Civil, tenho que a maior repercussão dessa crise da gasolina é no campo da Moral: a turbulência por que estamos a passar decorre, em última instância, do subsistência de uma cultura da malandragem na sociedade brasileira. Temos de exilar de nosso país os restos dessa cultura de Macunaímas para alcançarmos tempos de bonança.
Brasília, 24 de maio de 2018.