Furto ou
roubo de bem objeto de leasing: cautelas na leitura do recente precedente do
STJ
Carlos Eduardo
Elias de Oliveira
(Doutorando,
mestre e bacharel em Direito na Universidade de Brasília, Professor de Direito
Civil e de Direito Notarial e de Registro, Consultor Legislativo do Senado Federal
em Direito Civil, Advogado, ex-Advogado da União e ex-assessor de ministro STJ)
Brasília/DF,
14 de novembro de 2018
Nesta
semana, ao julgar o REsp 1.658.568[1],
3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, havendo seguro, o
arrendante não poderá mais cobrar do arrendatário prestações que vencerem após
o furto ou o roubo da coisa, pois, além de o arrendante ter recebido a
indenização securitária, o arrendante é o proprietário da coisa no arrendamento
mercantil (leasing) e, por isso, à
luz da teoria do risco, é dele o prejuízo pelo perecimento fortuito da coisa (res perit domino).
É
preciso ter duas cautelas na leitura desse importante julgado.
A
primeira é a de que o julgado acima aplica-se apenas aos casos em que a coisa
arrendada estiver protegida por um contrato de seguro, de modo que, no caso de
perecimento fortuito da coisa, o arrendante receberá o valor da indenização
securitária no lugar da coisa. Se, porém, a coisa não estiver segurada, nada
foi ainda decidido pelo STJ.
A
segunda é a de que o julgado nada falou acerca da possível existência de dever
de o arrendante ter de devolver ao arrendatário algum valor, tendo em vista
que, a depender do momento do perecimento fortuito da coisa, o arrendante já
pode ter pago valores substanciais a título de prestações mensais do contrato
de leasing.
Em
suma, esses dois aspectos (leasing sem
seguro e restituição de valores ao arrendatário) não foram analisados.
Para
esses dois pontos, entendemos que o STJ, quando futuramente vier a analisá-los,
haverá de guardar coerência com o que ele julgou neste REsp repetitivo:
RECURSO ESPECIAL. REPETITIVO. RITO DO
ARTIGO 543-C DO CPC. ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEASING. INADIMPLEMENTO.
REINTEGRAÇÃO DE POSSE. VALOR RESIDUAL GARANTIDOR (VRG). FORMA DE DEVOLUÇÃO.
1. Para os efeitos do artigo 543-C do
CPC: "Nas ações de reintegração de posse motivadas por inadimplemento de
arrendamento mercantil financeiro, quando o produto da soma do VRG quitado com
o valor da venda do bem for maior que o total pactuado como VRG na contratação,
será direito do arrendatário receber a diferença, cabendo, porém, se estipulado
no contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos
contratuais".
2. Aplicação ao caso concreto: recurso
especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
(REsp 1099212/RJ, Rel. Ministro MASSAMI
UYEDA, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 27/02/2013, DJe 04/04/2013)
Em
suma, por esse recurso repetitivo, o STJ firmou que, no leasing financeiro, em havendo resolução do contrato por culpa do
arrendatário (ex.: inadimplemento do arrendante ou resilição unilateral por
parte deste), o banco arrendante tem direito a, no mínimo, receber o Valor
Residual Garantido (VRG), valor esse que costuma ser pago de modo fracionado
como um dos componentes das prestações mensais. Nas prestações mensais, há, no
mínimo, dois valores que são cobrados: (1) uma parcela relativa ao aluguel e
(2) uma relativa ao VRG parcelado. Se, por exemplo, o leasing financeiro foi feito por um consumidor que queria adquirir
um veículo de R$ 80.000,00 e se tiver sido estipulado o valor de R$ 70.000,00
como VRG, o banco arrendante, no mínimo, teria direito a receber, no caso de
extinção do contrato por culpa do consumidor, o valor de R$ 70.000,00 por meio
do somatório das frações de VRG embutidas nas parcelas mensais já pagas com o
preço obtido no leilão do bem.
O
motivo dessa orientação vinculante é o fato de que, no leasing financeiro, o objetivo das partes é viabilizar uma
verdadeira aquisição de um bem por meio de uma espécie de financiamento. O
banco só tem interesse no lucro a ser obtido com os valores cobrados a título
de “aluguel”. Ele não tem interesse em ficar com a propriedade do carro para
arrendá-lo futuramente a terceiros.
Diante
disso, entendemos que, para guardar coerência com esse julgado, os dois pontos
não enfrentados pela 3ª Turma do STJ no recentíssimo precedente deverão ser
resolvidos da seguinte maneira.
Em
relação ao primeiro aspecto – que trata do caso de inexistir seguro –, se a
coisa arrendada perecer fortuitamente (ex.: roubo ou furto), o banco arrendante
terá direito a, no mínimo, exigir que o consumidor pague o VRG. Se, até o
momento do perecimento, o somatório da fração de antecipação de VRG embutida
nas prestações mensais já pagas não completar totalmente o VRG, caberá ao
consumidor complementar a diferença. E entendemos que essa diferença deverá ser
paga integralmente logo após notificação a ser feita pelo banco arrendante,
pois, com o perecimento fortuito da coisa, o banco arrendante ficou sem
garantia, o que ocasionaria o vencimento antecipado da dívida, salvo se o arrendante
vier a oferecer um outro bem idôneo como garantia.
Quanto
ao segundo ponto, entendemos que o banco arrendante terá direito a receber, no
mínimo, o VRG e, por isso, poderá reter consigo as antecipações de VRG (a parte
das prestações já pagas correspondentes ao VRG) e também a eventual indenização
securitária, que servirá para abater a dívida a título de VRG. Todavia, o que
exceder a isso deverá ser restituído ao arrendatário. Assim, por exemplo, se o
VRG corresponder a R$ 70.000,00 e se o arrendante já tiver recebido R$
90.000,00 com as antecipações de VRG e com a indenização securitária,
caber-lhe-á restituir ao arrendatário a quantia de R$ 20.000,00. Se, porém, não
tiver havido a contratação de seguro nesse exemplo, o banco arrendante nada
terá de restituir; ao contrário, ele terá direito de cobrar do arrendatário o
valor faltante para, com o somatório das antecipações de VGR, completar o valor
final do VGR.
Portanto,
é preciso ler com cautela o recentíssimo julgado do STJ.