(Des?)Necessidade de anuência do credor para transferência
de imóveis ou móveis objeto de garantia real?
Carlos
Eduardo Elias de Oliveira
1. QUADRO ATUAL SOBRE A ANUÊNCIA DO CREDOR NOS CASOS DE TRANSMISSÃO DE BENS OBJETO DE GARANTIA REAL
1)
No caso de bens móveis, não há necessidade de
consentimento do credor para a alienação da propriedade onerada ou para a cessão
do direito real de aquisição do fiduciário, salvo neste caso:
a.
Cédula de Crédito Rural, Industrial, Comercial e à
exportação (art. 59 do DL 167/67; art. 51 do DL 413/69; art. 5º da Lei nº
6.840/80; art. 3º da Lei 6.313/75).
2)
Venda de imóvel onerado por garantia real não
depende de consentimento do credor (art. 1.475 do CC), salvo nestes casos:
a.
Imóvel financiado no âmbito do SFH (art. 1º da Lei
8.004/90);
b.
Cédula de Crédito Rural, Industrial, Comercial e à
exportação (art. 59 do DL 167/67; art. 51 do DL 413/69; art. 5º da Lei nº
6.840/80; art. 3º da Lei 6.313/75).
3)
Cédula de Produto Rural, Cédula de Crédito
Imobiliária e Cédula de Crédito Bancária não excepcionam a regra anterior por
falta de previsão legal.
4)
Cessão de direito real de aquisição do devedor
fiduciante sobre imóvel DEPENDE de consentimento do credor fiduciário, conforme
interpretação que prevalece acerca do art. 29 da Lei nº 9.514/97 (Art.
29. O fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os
direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em
garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações).
5) Cessão de contrato envolvendo loteamento não exige consentimento do loteador (art. 31, § 1º, da Lei 6.766/79). Há quem sustente que a dívida referente ao pagamento do preço passará a ser do cessionário, entendimento ao qual não aderimos. Preferimos entender que esse preceito apenas autoriza a cessão do crédito (direito a receber o lote com a construção), e não a assunção de dívida, que, nos termos do art. 299 do CC, reclamaria anuência do credor (o loteador ou, no caso de financiamento bancário, o banco). Transcreve-se o dispositivo retrocitado:
Art. 31. O contrato particular pode ser transferido por simples trespasse, lançado no verso das vias em poder das partes, ou por instrumento em separado, declarando-se o número do registro do loteamento, o valor da cessão e a qualificação do cessionário, para o devido registro.
5) Cessão de contrato envolvendo loteamento não exige consentimento do loteador (art. 31, § 1º, da Lei 6.766/79). Há quem sustente que a dívida referente ao pagamento do preço passará a ser do cessionário, entendimento ao qual não aderimos. Preferimos entender que esse preceito apenas autoriza a cessão do crédito (direito a receber o lote com a construção), e não a assunção de dívida, que, nos termos do art. 299 do CC, reclamaria anuência do credor (o loteador ou, no caso de financiamento bancário, o banco). Transcreve-se o dispositivo retrocitado:
Art. 31. O contrato particular pode ser transferido por simples trespasse, lançado no verso das vias em poder das partes, ou por instrumento em separado, declarando-se o número do registro do loteamento, o valor da cessão e a qualificação do cessionário, para o devido registro.
§ 1º A cessão independe da anuência do loteador mas, em relação a este, seus efeitos só se produzem depois de cientificado, por escrito, pelas partes ou quando registrada a cessão.
§ 2º - Uma vez registrada a cessão, feita sem anuência do loteador, o Oficial do Registro dar-lhe-á ciência, por escrito, dentro de 10 (dez) dias.
2. NOSSA
RESSALVA QUANTO À INTERPRETAÇÃO VIGENTE DO ART. 29 DA LEI Nº 9.514/97 E QUANTO À
NECESSIDADE DE MODIFICAÇÃO DAS DEMAIS NORMAS CITADAS ACIMA
A nosso sentir, a
interpretação vigente para o art. 29 da Lei 9.514/97 não é a mais adequada.
Explica-se.
Há duas relações jurídicas
entre as partes: (1) uma de natureza contratual, que sói ser um mútuo, e (2) outra de
alienação fiduciária em garantia, que, com o registro no álbum imobiliário,
ganha natureza real.
Sob a perspectiva desses
contratos, o fiduciante possui um crédito, que é o direito real de (re)aquisição,
e uma dívida garantida por um direito real (a propriedade fiduciária), que é o
valor a ser pago por conta do mútuo. Não há qualquer prejuízo ao credor, se o
devedor transmitir a terceiros o seu direito real de aquisição (uma cessão de
crédito), pois ele continuará sendo o devedor e o imóvel seguirá vinculado ao
pagamento da dívida por conta da garantia real. Quem adquirir esse direito real de reaquisição
está ciente de que, no caso de inadimplência, o imóvel responderá pela dívida.
Não há, portanto,
qualquer prejuízo ao credor. Pelo contrário, haverá benefícios a ele, visto
que, na prática, haverá mais uma pessoa interessada no pagamento da dívida, o
terceiro adquirente, que, se pagar a dívida, sub-roga-se nos direitos do
credor contra o devedor (arts. 346, III, e 1.368 do CC).
Em outras palavras, não há
necessidade de o credor consentir com a cessão de crédito (transmissão do
direito real de aquisição).
O que seria potencialmente
nocivo ao credor é a assunção de dívida (ou cessão de débito), pois o novo
devedor poderia não ter condições de solvência adequada. É por essa razão que,
em regra, a assunção de dívida depende de consentimento expresso do credor, conforme
art. 299 do CC.
Como se vê, o credor só
precisa consentir com a assunção de dívida, e não com a cessão de crédito.
De passagem, relembre-se
que a doutrina designa de “cessão de contrato” a transmissão da posição
contratual de uma pessoa, quando esta é credora e devedora. A cessão de
contrato implica, pois, uma cessão de crédito em concomitância com uma assunção
de dívida. Para a cessão do contrato, é fundamental o consentimento do credor,
apenas porque ela envolverá uma assunção de dívida (que reivindica a aquiescência
creditoris).
É à luz dessas considerações
que deve ser interpretado o art. 29 da Lei nº 9.514/97. Nesse dispositivo, está
expresso que o adquirente assumirá “ as respectivas obrigações” com “a
transmissão dos direitos de que [o fiduciante] seja titular”. O preceito, pois,
cuida de uma cessão de contrato, e não apenas de uma cessão de crédito ou
apenas de uma assunção de dívida. E, por isso, o dispositivo exige o
consentimento expresso do credor fiduciário para essa transmissão da posição
contratual.
O dispositivo, ao nosso
aviso, não cuida da pura e simples cessão de crédito (transmissão do direito
real de aquisição), de modo que o devedor fiduciante poderá livremente transferir
seus direitos a terceiros, com a ciência de que, além de o imóvel continuar
vinculado ao pagamento da dívida por conta da propriedade fiduciária (que é uma
garantia real), ele seguirá obrigado pessoalmente à satisfação da dívida. O
adquirente, a seu turno, somente se tornará um terceiro (e não parte) na relação contratual e, se
quiser, poderá pagar a dívida e sub-rogar-se nos direitos do credor contra o
devedor fiduciante.
Portanto, entendemos que
o art. 29 da Lei nº 9.514/97 não exige a anuência do credor fiduciário para a
mera cessão de crédito (a transmissão do direito real de aquisição), mas apenas
para a cessão de contrato (cessão de crédito simultânea com a assunção de dívida).
E mais: com base no
raciocínio acima, não enxergamos motivos razoáveis na subsistência da exigência
de anuência do credor no caso de mera alienação da coisa objeto de garantia de
financiamento no âmbito do SFH e de cédulas de crédito rural, industrial,
comercial e à exportação. As respectivas normas deveriam ser alteradas, para
preservar essa exigência somente para as hipóteses de cessão de contrato (por
esta envolver a assunção de dívida).
Essa interpretação que
propomos parece mais compatível com a função social da propriedade, por
estimular a circulação de bens, evitar a manutenção de bens em situação de ócio
(o devedor, por vezes, não tem interesse em usar o bem) e não prejudicar o
credor (aliás, o credor será beneficiado com o acréscimo de mais um interessado
no pagamento da dívida).
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