No dia 31 de agosto de 2016, o Senado aceitou o impeachment, mas não a perda dos direitos políticos da presidente Dilma.
Surgiram muitas críticas, sob o argumento que o texto normativo seria claro que, havendo o impeachment, deve também ser aplicada a pena de perda dos direitos políticos, conforme o texto do parágrafo único do art. 52 da CF:
Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.
Esse resultado seria ou não admitido pela Ciência Jurídica?
Do ponto de vista jurídico, a lei não deve ser interpretada apenas com base no seu texto, mas também levando em conta outros elementos externos.
O impeachment é uma sanção que envolve interesse institucional.
O perda de direitos políticos é uma punição que envolve interesse meramente individual da Dilma.
A gravidade ou a existência de dúvida razoável na tipificação da conduta autorizam o intérprete a fazer reduções interpretativas, quando necessário, mediante um juízo de proporcionalidade.
Veja-se que, por exemplo, a dívida de alimentos anteriores aos últimos três meses de propositura da ação, antes do NCPC (que passou a ter previsão expressa), não admitia prisão civil, apesar de o texto legal não fazer essa ressalva. A jurisprudência, por um juízo de razoabilidade, entendeu ser muito gravosa essa medida.
Note-se também que, no caso de inadimplemento parcial de uma dívida, a medida drástica da resolução contratual não é admitida se já tiver havido pagamento substancial da dívida.
Recorde-se, igualmente, que há condutas que são punidas civilmente, mas não penalmente, ainda que formalmente se encaixem em algum tipo penal.
Lembre-se, outrossim, que há infrações administrativas que não credenciam a inflição das pesadíssimas sanções da improbidade administrativa, embora autorizem penas administrativas mais caroáveis (como uma advertência ou uma suspensão).
Tudo isso decorre de juízos de razoabilidade e dos efeitos jurídicos da dúvida razoável.
Isso vale até dentro das casas: a depende da travessura ou da razoabilidade da dúvida quanto à característica ilícita da conduta, os pais darão uma "broncona", uma "bronca" ou uma "bronquinha" ao filho.
No caso da Dilma, a sua conduta - as famigeradas pedaladas fiscais - foi tida por razoável para defenestrá-la do cargo de presidente (impeachment), mas não para impor uma sanção pesada do ponto de vista meramente individual que a privaria de exercer atividades profissionais de interesse meramente privado (perda dos direitos políticos). A gravidade e o caráter não apodítico da tipificação da conduta justificaram - para os julgadores - a redução interpretativa da Lei.
Essa manobra é - a nosso sentir - plenamente admissível no âmbito da Ciência Jurídica, que se guia pela lógica do razoável, e não pela do racional, na lembrança de Recaséns Siches.
Obs.: não estou emitindo juízo pessoal algum acerca do acerto ou não da decisão do Senado, mas apenas tentando expor que o Direito não se reduz à subserviência à frieza do texto da lei. Direito é texto e contexto.
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