Comentário a precedente do TJDFT sobre gestão de
negócios: caso da internação de familiar em hospital
˜Carlos
Eduardo Elias de Oliveira
Poucas pessoas estudam o ato jurídico unilateral chamado "gestão de negócios", disciplinado a partir do art. 861 do Código Civil (CC). Costumo dizer que se trata do ato do intrometido ou do enxerido, pois a gestão de negócios ocorre quando alguém (o gestor) administra interesse de outrem (o dono do negócio) sem prévia autorização deste. O gestor age como representante do dono do negócio sem consentimento prévio deste. É um representante sem mandato. É um "enxerido". É o caso, por exemplo, de uma pessoa que, vendo a casa do vizinho em chamas, toma a liberdade de fazer contratos para repará-la minimamente (ex.: trocar a porta que foi incendiada) até que o vizinho retorne de uma viagem.
Nosso objetivo aqui é tratar de uma situação peculiar analisada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT): se alguém assina o contrato de internação hospitalar para propiciar um tratamento médico a um parente que está desmaiado, o hospital poderá cobrar a dívida de quem: de quem assinou ou do parente que foi internado? O TJDFT analisou essa hipótese sob a ótica da gestão de negócios e entendeu que quem assinou deverá responder pela dívida, ainda que ele pudesse ser considerado um gestor de negócio.
As regras de gestão de negócio são para disciplinar relação jurídica entre o gestor e o dono, e relações entre o dono do negócio e os terceiros com quem o gestor, em nome do dono, celebrou contratos (art. 869, CC). Não estão abrangidos aí casos em que o gestor fez contratos em seu próprio nome, pois, nesse caso, o outro contratante só terá direitos contra o gestor, e não contra o dono do negócio. Aplicam-se aí as regras próprias de contratos, dentro das quais as partes poderiam valer-se de figuras como a do contrato com pessoa a declarar (cláusula pro amico eligendo), em que o contratante só consegue se exonerar da obrigação se vier a conseguir o consentimento do terceiro indicado como sucessor contratual (arts. 467 e 470, CC).
Nosso objetivo aqui é tratar de uma situação peculiar analisada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT): se alguém assina o contrato de internação hospitalar para propiciar um tratamento médico a um parente que está desmaiado, o hospital poderá cobrar a dívida de quem: de quem assinou ou do parente que foi internado? O TJDFT analisou essa hipótese sob a ótica da gestão de negócios e entendeu que quem assinou deverá responder pela dívida, ainda que ele pudesse ser considerado um gestor de negócio.
As regras de gestão de negócio são para disciplinar relação jurídica entre o gestor e o dono, e relações entre o dono do negócio e os terceiros com quem o gestor, em nome do dono, celebrou contratos (art. 869, CC). Não estão abrangidos aí casos em que o gestor fez contratos em seu próprio nome, pois, nesse caso, o outro contratante só terá direitos contra o gestor, e não contra o dono do negócio. Aplicam-se aí as regras próprias de contratos, dentro das quais as partes poderiam valer-se de figuras como a do contrato com pessoa a declarar (cláusula pro amico eligendo), em que o contratante só consegue se exonerar da obrigação se vier a conseguir o consentimento do terceiro indicado como sucessor contratual (arts. 467 e 470, CC).
Assim, se alguém (gestor) interna outrem (dono do negócio) em um
hospital particular (terceiro), o gestor terá de pagar as despesas hospitalares
se houver celebrado o contrato em seu próprio nome, ou seja, se ele tiver sido
parte. Se, todavia, o contrato houver sido firmado em nome do dono do negócio com
a assinatura do gestor apenas como representante (a gestão de negócio é
representação sem mandato), o terceiro só poderá cobrar a dívida do dono do
negócio se se tratar de gestão útil, necessária ou proveitosa, para as quais o
Código Civil estabelece textualmente o dever obrigacional do dono do negócio
pelas obrigações assumidas, em nome dele (do dono), pelo gestor (arts. 869 e
870, CC).
Essa deve ser a leitura do seguinte precedente do TJDFT, que
admitiu que o hospital particular cobrasse de quem assinara o contrato em seu
próprio nome as despesas hospitalares havidas com um familiar dele. Se o
contrato tivesse sido firmado em nome desse paciente com assinatura de quem
expressamente se declarou gestor de negócio (representante do paciente sem
procuração), o resultado seria diferente: o gestor não seria obrigado por essa
dívida, mas apenas o paciente na hipótese em que a gestão tenha sido útil,
proveitosa ou necessária. Veja a ementa do julgado:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL
CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS HOSPITALARES.
RESPONSABILIDADE DO FAMILIAR QUE FIRMA O CONTRATO. GESTÃO DE NEGÓCIOS. NÃO
CARACTERIZAÇÃO. FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DO AUTOR.
AUSÊNCIA. RESPONSABILIDADE CONFIGURADA. SENTENÇA REFORMADA.
1. A gestão de negócios é ato unilateral de vontade e caracteriza-se pela
espontaneidade da intervenção do gestor no negócio alheio, que não deve
resultar de qualquer prévio ajuste ou ordem, atuando o gestor no interesse e
segundo a vontade presumida do dono do negócio, sem interesse pessoal. Nessa
perspectiva, não configura hipótese de gestão de negócios, quando a pessoa,
visando o pronto atendimento, conduz o ente familiar a hospital privado e,
voluntariamente, firma contrato de prestação de serviços hospitalares como
obrigada pelo pagamento das respectivas despesas.
2. É legítima a cobrança de despesas médicas e hospitalares realizadas por
estabelecimento de saúde com supedâneo em contrato particular de prestação de
serviços hospitalaresfirmado livre e conscientemente, acompanhado das notas
discriminativas das despesas relativas à incontroversa prestação dos serviços.
3. Ausente causa que afaste a higidez do contrato particular de prestação de
serviços hospitalares, livremente celebrado entre as partes, o ajuste deve ser
cumprido, em obediência aos princípios da boa fé objetiva e do pacta sunt
servanda,com o fito de compelir a contratante a arcar com as despesas
hospitalares decorrentes da efetiva prestação dos serviços.
4. Apelação conhecida e provida.
(Acórdão n.1004023, 20130310174820APC,
Relator: SIMONE LUCINDO 1ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 15/03/2017,
Publicado no DJE: 27/03/2017. Pág.: 233/251)
Se alguém optar por celebrar um contrato em
seu próprio nome perante o hospital para o tratamento do familiar, a cláusula pro amico eligendo pode ser útil para
que o contratante indique esse familiar doente como sucessor contratual, caso
em que o polo contratual será sucedido, se houver o consentimento desse
familiar e se este for não for sabidamente insolvente.
Em resumo, se alguém interna um familiar no
hospital e assina o contrato, quem terá de pagar a conta? TJDFT disse que é
quem assinou o contrato.
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