O teto indenizatório imposto pela Reforma Trabalhista se aplica ou não ao caso da tragédia de Brumadinho?
Publiquei um artigo sobre isso no site da Conjur: espero que gostem!
O link é este: https://www.conjur.com.br/2019-jan-31/carlos-oliveira-teto-indenizatorio-clt-nao-aplica-brumadinho.
De qualquer forma, transcrevo o texto abaixo.
Abraços
Carlos E Elias
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Caso de Brumadinho: a mineradora poderá valer-se do limite de
indenização oriundo da Reforma Trabalhista?
Carlos
Eduardo Elias de Oliveira
Doutorando,
mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB).
Advogado-parecerista. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil,
Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012).
Ex-Advogado da União. Ex-Assessor de Ministro do STJ. Professor de Direito
Civil e Direito Notarial e de Registros Públicos.
Data de elaboração: 28 de janeiro de 2019
Paira rumores sobre a possibilidade jurídica de a mineradora causadora da
catástrofe ambiental ocorrida em Brumadinho vir a invocar o limite de
indenização por dano extrapatrimonial pelos danos sofridos por seus
funcionários.
O sinistro consistiu no rompimento de uma barragem que enterrou, com
lama e sangue, centenas de pessoas, de animais, de residências, de
estabelecimentos comerciais e também de sonhos na região da cidade de Brumadinho/MG
no final do mês de janeiro de 2019. Entre os que partiram, estavam inúmeros
funcionários da mineradora proprietária da dissolvida barragem.
Nesse contexto, indaga-se: poderia a mineradora escusar-se a pagar mais do que
50 vezes o salário contratual de cada funcionário vitimado a título de
indenização por dano moral, sob a alegação de que se trataria de acidente de
trabalho e de que o inciso IV do § 1º do art. 223-G da CLT, nascido com a
famosa Reforma Trabalhista, preveria esse teto?
Entendemos pelo total descabimento da aplicação do teto da CLT.
Em primeiro lugar, mesmo em
relação aos empregados da mineradora, o sinistro em pauta caracteriza um acidente
de trabalho apenas de modo reflexo. Ele, na verdade, representa um dano causado
pelo fato de a mineradora ter arriscado exercer uma atividade ambientalmente
perigosa à comunidade local e aos próprios funcionários. O fundamento do dever
de indenizar aí não será a relação trabalhista, e sim a responsabilidade
objetiva por danos causados pelo exercício de atividade potencialmente perigosa
a terceiros com exploração do meio ambiente. Em outras palavras, o caso em
pauta não trata de responsabilidade trabalhista por acidente de trabalho, e sim
de responsabilidade por dano ambiental. Nesse ponto, recorda-se que a
responsabilidade por dano ambiental é objetiva, baseada na teoria do risco
integral e direcionada a indenizar também as pessoas naturais e jurídicas que
foram vítimas da catástrofe ambiental. É nesse sentido a orientação do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), que, ilustrativamente, assegurou indenização a
pescadores vítimas de tragédia ambiental com base no regime de responsabilidade
civil por dano ambiental (STJ, REsp 1114398/PR, 2ª Seção, DJe 16/02/2012). Enfatize-se
que é irrelevante se a mineradora teve ou não culpa pela tragédia, pois sua
responsabilidade é objetiva com base na teoria do risco integral. Portanto, o
fato de o caso em pauta fundamentar-se em responsabilidade civil por dano
ambiental, e não em responsabilidade por acidente trabalhista, já afasta por si
só a aplicação da CLT, com o seu teto indenizatório, para a discussão relativa
à indenização por dano moral às vítimas da catástrofe ambiental, mesmo nas
hipóteses de a vítima ser uma funcionária da mineradora.
Em segundo lugar, o teto indenizatório
da CLT chocaria com o princípio constitucional da isonomia se fosse aplicado ao
caso em pauta. É que, se se admitir a aplicação desse teto contra os
funcionários que tenham sido vítimas, chegaremos à indigesta conclusão de que,
pelo mesmo fato (a letal inundação de lama), as vítimas haveriam de receber
indenização diferente conforme sejam ou não funcionárias da mineradora.
Portanto, uma interpretação conforme à Constituição impediria a aplicação do
teto indenizatório da CLT ao caso em pauta.
Em terceiro lugar, ainda que se admitisse que a hipótese é de
responsabilidade trabalhista por acidente de trabalho, o teto indenizatório para
o dano extrapatrimonial não seria aplicável para os casos de morte de
funcionários, pois o inciso IV do § 1º do art. 223-G da CLT prevê limite de
indenização apenas quando o credor é o funcionário ofendido, e não terceiros
que, por reflexo, sofreram o dano por ricochete. Basta observar a redação do
referido dispositivo, que insistentemente cuida do ofendido como credor da
indenização, ofendido esse que só pode ser o empregado, que é parte da relação
trabalhista. O teto indenizatório aplica-se apenas a indenizações por “danos de
natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho”: terceiros não
são partes dessa relação de trabalho e, portanto, não são alcançados por esse
limite previsto na CLT. Ora, se o funcionário faleceu afogado em meio ao
lamaçal, seus familiares é que haverão de pedir indenização por dano
extrapatrimonial na condição de vítima indiretas, que sofreram o dano por
ricochete.
Portanto, a invocação do teto
indenizatório do § 1º do art. 223-F da CLT é totalmente descabida. Aliás,
diante do contexto de grande comoção social que ronda o caso e tendo em vista o
inequívoco dever moral que a mineradora tem de não opor resistência à
indenização plena das vítima, entendemos que a invocação desse totalmente
descabido argumento pela mineradora em eventual processo judicial atolará a sua
empreitada judicial com a lama da má-fé, a recomendar a imposição de multa por
litigância de má-fé na forma da lei processual.