sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA DE 2016: um feliz 2017!

LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA DE 2016: um feliz 2017!

Excelentíssimos(as) Amigos(as).

DA TEMPESTIVIDADE
Tendo em vista que amanhã a correria poderá me impedir de eu protocolar a minha petição de "feliz ano novo" antes do prazo final (23:59 do dia 31/DEZ/2016) e como sei que a maioria deixará para protocolar tudo na "última hora", ameaçando a minha chegada tempestiva ao balcão, adotarei a postura do advogado cauteloso: protocolarei a petição
hoje no protocolo integrado deste Blog, um dia antes do fim do prazo.
DA FUNDAMENTAÇÃO
O ano de 2016 está próximo de transitar em julgado, sem direito a ação rescisória ou a querela nullitatis. Se o quadrado virará redondo e o preto virará branco, isso não importa. Os limites objetivos da coisa julgada de 2016 apenas imortaliza os fatos passados sob a égide das leis da vida de 2016. Por isso, se as suas pretensões de 2016 foram julgadas improcedentes, não se preocupe.
Em 2017, novos fatos e novas leis surgirão, de modo que, sem violação à coisa julgada, poderemos formular nossas pretensões de fazer o mundo melhor com total liberdade.
Tudo dependerá de nosso talento na elaboração da petição inicial, com a delimitação da nossa causa de pedir e de nossos pedidos, bem como de nosso fôlego na condução da fase instrutória. Temos de caprichar no desenho da "res in iudicium deducta" e, também, estar atentos às publicações das decisões da fase instrutória para não incorrer em
nenhuma preclusão.
Temos de saber que não teremos muitas chances de conserto, pois o agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias está cada vez mais restrito.
E devemos lembrar que não haverá recursos ordinários nem extraordinários contra a decisão final, pois a competência para a nossa causa é do Supremo Tribunal da Vida.
E não vale litigar de má-fé, pois a vida se incumbirá de aplicar multas pesadíssimas. A arte de viver exige comprometimento com a honra, a lealdade e o respeito, além de cortejo à ousadia e à perseverança.
Esperamos que os resultados obtidos em 2016, petrificados pela coisa julgada, fiquem corados de vergonha diante das grandes vitórias que o ano de 2017 certamente terá reservado a todos nós.

DO PEDIDO
Diante do exposto, desejo um feliz ano de 2017 a todos(as), tudo em observância à mais lídima, hialina e virtuosa

J U S T I Ç A!
Pede deferimento.
Brasília, 30 de dezembro de 2016.

Carlos E Elias de Oliveira

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Acidente de trânsito e seguro: direito de indenização pela franquia, pelo bônus do seguro e outras questões

            
                                  Seguro de veículos e a sub-rogação

Seguem alguns apontamentos meus sobre a costumeira questão em epígrafe.

a.     No caso de abalroamento de veículos, se o segurado pagar franquia, a seguradora sub-roga-se no seu direito de pedir indenização contra o causador do dano apenas no valor excedente à franquia até o valor total do conserto do veículo (STJ, AgRg no AREsp 241.140 – ver julgados abaixo). O segurado, a seu turno, poderá pleitear o reembolso do valor pago a título de franquia do causador do dano. Dessa forma, o causador do dano, após reembolsar o segurado pela franquia e a seguradora pelo valor excedente, terá de pagar apenas o valor total do conserto do veículo.
b.    Por essa razão, se o causador do dano fizer acordo extrajudicial com o segurado para pagar-lhe o valor da franquia, isso não lhe demitirá do dever de indenizar a seguradora pelo valor excedente, até completar o valor total do conserto do veículo (STJ, AgRg no REsp 1175643 – ver julgados abaixo).
c.     Na praxe, o segurado costuma sofrer outros prejuízos em razão de ter-se valido do seguro, como a perda do famoso “bônus do seguro” (um desconto dado pela não utilização do seguro), e em razão da reparação do veículo, como a desvalorização do veículo. Embora esses danos materiais sejam indenizáveis, a sua comprovação sói ser inviável, de modo que, sem prova do prejuízo, inexiste indenização. Não se pode presumir esses danos materiais, pois a experiência demonstra que, apesar do conserto, há inúmeras situações em que o proprietário do bem consegue vendê-lo pelo mesmo valor de um veículo que nunca sofreu acidente (TJSP e TJRS – ver abaixo).
d.    Há contratos de seguro que dispensam a franquia no primeiro uso do seguro. Nesses casos, o segurado, ao acionar o seguro, perde esse benefício por culpa do causador do abalroamento. Entendemos que não há dano indenizável aí, por falta de viabilidade de estimar economicamente o prejuízo, por se tratar de benefício contratual sem conexão direta com o acidente (só há dano indenizável quando há nexo causal direto e imediato) e por ser injusto exigir que o causador do dano, além de pagar o valor integral do conserto do veículo perante a seguradora (que se sub-rogará nesse direito), tenha de desembolsar qualquer valor adicional. Ademais, se o segurado vier a acionar o seguro novamente, ele poderá cobrar regressivamente o valor despendido com a franquia do causador do novo abalroamento, o que reforça a inviabilidade de estimar economicamente o direito.
e.     Semelhantemente, o segurado não pode pleitear do causador do dano o reembolso do valor do prêmio total que pagou pelo contrato de seguro, pois essa despesa não tem nexo causal direto com o acidente; foi fruto de um serviço amplo sem conexão causal direta com o abalroamento.
                                               i.     Julgados:


Acidente de veículo - Indenização - Abalroamento na parte traseira do veículo do autor - Culpa do motorista que não evitou a colisão - Reconhecimento. Do registro constante do boletim de ocorrência não resulta presunção de veracidade dos fatos nele consignados. Referido registro constitui, entretanto, elemento de convicção que pode ser considerado pelo julgador. O evento ocorreu por culpa do motorista-réu que não evitou a colisão contra a traseira do veiculo do autor. Acidente de veículo - Perda do bônus e desvalorização do veículo - Alegações não provadas - Cancelamento. Relativamente à perda do bônus e à desvalorização do veículo, contudo, a reparação respectiva haveria de se encontrar fundamentada em prova segura o que de resto não se cuidou de providenciar, pelo que a indenização correspondente fica cancelada Recurso adesivo improvido e recursos do réu e da denunciada providos em parte. .
(TJ-SP - CR: 1073992007 SP, Relator: Orlando Pistoresi, Data de Julgamento: 17/09/2008,  30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/09/2008)

APELAÇÕES CÍVEIS. RECURSO ADESIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS PATRIMONIAIS POR ACIDENTE DE VEÍCULO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO CODEMANDADO MARCOS ROGÉRIO DANIEL. DESDOBRAMENTOS DA CONDENAÇÃO: PERDA DO BÔNUS DO SEGURO E DESVALORIZAÇÃO DO VEÍCULO. LUCROS CESSANTES. CONSECTÁRIOS LEGAIS. RECURSO ADESIVO.
(...)
2. DESDOBRAMENTOS DA CONDENAÇÃO: PERDA DO BÔNUS DO SEGURO E DESVALORIZAÇÃO DO VEÍCULO. LUCROS CESSANTES. A perda do bônus do seguro e a desvalorização do veículo não se trata de "fatos públicos e notórios", como pretende a recorrente, exigindo-se a prova prejuízo econômico, não produzida pela autora, a qual se limitou a alegar e não provar. Os danos materiais (onde se inserem as rubricas postuladas) demandam por prova inconteste da sua verificação, não havendo presunção de perda econômica.
(...)
 (TJ-RS - AC: 70063779284 RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, Data de Julgamento: 25/02/2016,  Décima Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 29/02/2016)

ACIDENTE DE TRÂNSITO. REPARAÇÃO DE DANOS REFERENTES À PERDA DE BÔNUS PARA RENOVAÇÃO DE CONTRATO DE SEGURO, DESVALORIZAÇÃO DO VEÍCULO, E DESPESAS COM GEOMETRIA E BALANCEAMENTO. 1. A perda do desconto quando da renovação do seguro não veio comprovada. O documento da fl. 22 não evidencia a diferença de valores em razão de envolvimento em sinistro, mas tão-somente a concessão do bônus "classe 10". 2. Quanto à desvalorização do veículo, em que pese seja presumível hipoteticamente esta, não há comprovação de que a colisão teria ensejado a real desvalorização do automóvel, porquanto realizada a reposição de peças extraviadas por outras novas. Também inexiste comprovação da quantificação segura da eventual desvalorização, impossibilitando a condenação. 3. Despesas com geometria e balanceamento realizadas meses após o sinistro que não evidenciam liame causal, porquanto houve o conserto integral do veículo pela seguradora. 4. Má-fé que não se reconhece. O fato de o réu trazer narrativa diversa da exposta pela autora, por si só, não caracteriza má-fé. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71003674769, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Marta Borges Ortiz, Julgado em 30/04/2013)

(TJ-RS - Recurso Cível: 71003674769 RS, Relator: Marta Borges Ortiz, Data de Julgamento: 30/04/2013,  Primeira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/05/2013)

f.       
g.    Precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. ACORDO EXTRAJUDICIAL ENTRE O SEGURADO E O CAUSADOR DO DANO. CONCLUSÃO DO ACÓRDÃO DE QUE A QUITAÇÃO ABRANGERA APENAS A FRANQUIA. CONSEQUENTE SUB-ROGAÇÃO DA SEGURADORA QUANTO AO SALDO REMANESCENTE. RECURSO ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. DESCABIMENTO. SÚMULA STJ/7.
I.- A partir da análise das circunstâncias fáticas da causa, concluiu o Tribunal de origem que a quitação dada pelo segurado, referente aos danos causados em seu veículo,  abrangeu pouco mais que o valor da franquia, quantia muito inferior ao total dos serviços realizados, sendo possível, por esse motivo, a sub-rogação da companhia seguradora nos direitos indenizatórios remanescentes.
2.- Inviável o reexame da questão em âmbito de recurso especial, ante o óbice da Súmula 7 desta Corte. Precedentes.
3.- Agravo Regimental improvido.
(AgRg no AREsp 241.140/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/03/2013, DJe 25/03/2013)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO POR DANOS MORAIS. ACORDO EXTRAJUDICIAL SEM QUITAÇÃO PLENA DAS OBRIGAÇÕES. INVERSÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS.
INCIDÊNCIA DA SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ.
1. Tendo a Corte de origem concluído que a quitação dada pelo segurado, vítima do acidente que danificou seu veículo, abrangeu exclusivamente o valor da franquia, muito inferior ao total do reparo, é impossível a revisão da julgado, a teor dos óbices contidos nas Súmulas n°s 5 e 7/STJ, pelo que cabível a sub-rogação da companhia seguradora nos direitos indenizatórios pela diferença remanescente.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 845.920/PB, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 27/02/2013)

AGRAVO REGIMENTAL. CIVIL E PROCESSUAL. ACORDO EXTRAJUDICIAL CELEBRADO ENTRE A VÍTIMA SEGURADA E A CAUSADORA DO DANO. ACÓRDÃO RECORRIDO. QUITAÇÃO ABRANGENDO APENAS A FRANQUIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ.
I. Inadmissível o recurso especial que exige o reexame do conjunto fático-probatório dos autos.
2. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no REsp 1175643/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/03/2012, DJe 15/03/2012)



     Não é possível, no âmbito do recurso especial, o reconhecimento de  que  ocorreu  quitação  geral  e  ampla referente à obrigação do causador de acidente de trânsito de pagar toda a dívida à seguradora que  se  sub-rogou  no  crédito  do  segurado,  na hipótese em que o tribunal a quo entendeu que transação extrajudicial efetuada entre o segurado  e  o  causador  do dano abarcou apenas o valor referente à franquia, de sorte que não houve quitação geral e plena da obrigação de  indenizar,  pois,  para alterar a premissa firmada pelo tribunal de  origem,  é necessário o reexame de matéria de fato e de prova, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ.


Sub-rogação. Indenização pedida pela seguradora que quitou o seguro relativo ao veículo segurado. Exclusão da franquia.
1. A seguradora sub-roga-se nos direitos do titular da apólice de seguro, sendo parte legítima para a ação regressiva contra o causador do dano.
2. Recurso especial não conhecido.
(REsp 600.890/DF, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/05/2005, DJ 01/08/2005, p. 443)

ACIDENTE DE TRÂNSITO. REPARAÇÃO DE DANOS REFERENTES À PERDA DE BÔNUS PARA RENOVAÇÃO DE CONTRATO DE SEGURO, DESVALORIZAÇÃO DO VEÍCULO, E DESPESAS COM GEOMETRIA E BALANCEAMENTO. 1. A perda do desconto quando da renovação do seguro não veio comprovada. O documento da fl. 22 não evidencia a diferença de valores em razão de envolvimento em sinistro, mas tão-somente a concessão do bônus "classe 10". 2. Quanto à desvalorização do veículo, em que pese seja presumível hipoteticamente esta, não há comprovação de que a colisão teria ensejado a real desvalorização do automóvel, porquanto realizada a reposição de peças extraviadas por outras novas. Também inexiste comprovação da quantificação segura da eventual desvalorização, impossibilitando a condenação. 3. Despesas com geometria e balanceamento realizadas meses após o sinistro que não evidenciam liame causal, porquanto houve o conserto integral do veículo pela seguradora. 4. Má-fé que não se reconhece. O fato de o réu trazer narrativa diversa da exposta pela autora, por si só, não caracteriza má-fé. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71003674769, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Marta Borges Ortiz, Julgado em 30/04/2013)

(TJ-RS - Recurso Cível: 71003674769 RS, Relator: Marta Borges Ortiz, Data de Julgamento: 30/04/2013,  Primeira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/05/2013)



quarta-feira, 7 de setembro de 2016

MULTA PESADA E INDENIZAÇÃO MILIONÁRIA CONTRA SERVIDOR PÚBLICO POR SUPOSTA NEGLIGÊNCIA NA INTERPRETAÇÃO DE NORMAS: a insanidade do modelo atual de responsabilidade de servidores públicos.

MULTA PESADA E INDENIZAÇÃO MILIONÁRIA CONTRA SERVIDOR PÚBLICO POR SUPOSTA NEGLIGÊNCIA NA INTERPRETAÇÃO DE NORMAS: a insanidade do modelo atual de responsabilidade de servidores públicos.

Tenho uma extrema repulsa ao sistema atual de responsabilização pessoal dos servidores públicos, especialmente quando se trata de punição infligida por meio de multa elevadíssimas por órgãos de controle e de ações civis de indenização contra servidores.
Na época em que estive na Advocacia-Geral da União, conheci competentes servidores que haviam recebido multa na ordem de R$ 50.000,00 pelo fato de o TCU ter interpretado a norma jurídica relativa a licitações de modo diverso ao que o servidor havia adotado. Para um servidor que percebe remuneração de cerca de R$ 7.000,00, a punição muito provavelmente excedia o valor do próprio veículo que ele, ao longo de sua carreira de servidor, haveria de comprar.
O efeito prático disso (TODA NORMA JURÍDICA INDUZ COMPORTAMENTOS, ensinava a Douglass North) é que grande parte dos servidores que lidam com licitações e contratos não demonstram qualquer proatividade para criar novas soluções que ajudem a adaptar a lei à realidade concreta. Além do mais, é muito difícil conseguir servidor público disponível a assumir cargos de maior responsabilidade, como o de ordenador de despesa.
Conheci até um caso de uma servidora que, após ser demitida e punida pelo TCU, estava respondendo por uma ação de indenização no valor de milhões de milhões de reais. E, no caso dela, NÃO havia acusação alguma de que ela havia recebido algum benefício pessoal (uma propina, por exemplo). A única imputação feita a ela é a de que ela teria agido com negligência ao prorrogar um contrato administrativo já vencido em um contexto em que a não prorrogação iria acarretar inevitavelmente a paralisação dos serviços públicos. E o pior de tudo: essa servidora tinha feito isso com respaldo em um PARECER JURÍDICO. Aliás, nesse caso, o advogado público que deu o parecer também está sendo alvo dessa ação milionária.
O sistema atual é redondamente estúpido. O servidor público jamais consegue ter certeza jurídica prévia, pois somente depois de muitos anos é que o Tribunal de Contas haverá de dar a interpretação que ele entende ser correta, com punição severa a quem não conseguiu ter dom de vidência hermenêutica.
Penso que o sistema de responsabilização do servidor pelo TCU ou na esfera civil só deveria acontecer no caso de dolo ou fraude, à semelhança do que acontece com juízes, Defensores Públicos e Advogados Públicos em processos judiciais (art. 143 do Novo Código de Processo Civil). Uma analogia poderia ser usada para que seja adotado esse regime de responsabilidade, pois a razão de ser da norma processual para os juízes e demais atores processuais é a mesma para os demais servidores públicos que lidam com interpretação de normas jurídicas (ubi eadem ratio, ibi eadem jus). A legislação até merece ser aprimorada para abranger essa analogia de modo expresso.
Seja como for, enquanto essa questão não for resolvida, o temor da loteria jurídica do sistema atual - que submete o servidor à incerteza de saber se, no futuro, o Tribunal de Contas irá aceitar a interpretação então adotada - continuará intimidando os servidores públicos e afugentando-os de assumir funções como a de ordenador de despesa.

Brasília, 7 de setembro de 2016.
Carlos E. Elias

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Impeachment sem perda dos direitos políticos: é possível juridicamente?

No dia 31 de agosto de 2016, o Senado aceitou o impeachment, mas não a perda dos direitos políticos da presidente Dilma.
Surgiram muitas críticas, sob o argumento que o texto normativo seria claro que, havendo o impeachment, deve também ser aplicada a pena de perda dos direitos políticos, conforme o texto do parágrafo único do art. 52 da CF:


Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

Esse resultado seria ou não admitido pela Ciência Jurídica?

Do ponto de vista jurídico, a lei não deve ser interpretada apenas com base no seu texto, mas também levando em conta outros elementos externos.
O impeachment é uma sanção que envolve interesse institucional.
O perda de direitos políticos é uma punição que envolve interesse meramente individual da Dilma.
A gravidade ou a existência de dúvida razoável na tipificação da conduta autorizam o intérprete a fazer reduções interpretativas, quando necessário, mediante um juízo de proporcionalidade.
Veja-se que, por exemplo, a dívida de alimentos anteriores aos últimos três meses de propositura da ação, antes do NCPC (que passou a ter previsão expressa), não admitia prisão civil, apesar de o texto legal não fazer essa ressalva. A jurisprudência, por um juízo de razoabilidade, entendeu ser muito gravosa essa medida.
Note-se também que, no caso de inadimplemento parcial de uma dívida, a medida drástica da resolução contratual não é admitida se já tiver havido pagamento substancial da dívida.
Recorde-se, igualmente, que há condutas que são punidas civilmente, mas não penalmente, ainda que formalmente se encaixem em algum tipo penal.
Lembre-se, outrossim, que há infrações administrativas que não credenciam a inflição das pesadíssimas sanções da improbidade administrativa, embora autorizem penas administrativas mais caroáveis (como uma advertência ou uma suspensão).
Tudo isso decorre de juízos de razoabilidade e dos efeitos jurídicos da dúvida razoável.
Isso vale até dentro das casas: a depende da travessura ou da razoabilidade da dúvida quanto à característica ilícita da conduta, os pais darão uma "broncona", uma "bronca" ou uma "bronquinha" ao filho.
No caso da Dilma, a sua conduta - as famigeradas pedaladas fiscais - foi tida por razoável para defenestrá-la do cargo de presidente (impeachment), mas não para impor uma sanção pesada do ponto de vista meramente individual que a privaria de exercer atividades profissionais de interesse meramente privado (perda dos direitos políticos). A gravidade e o caráter não apodítico da tipificação da conduta justificaram - para os julgadores - a redução interpretativa da Lei.
Essa manobra é - a nosso sentir - plenamente admissível no âmbito da Ciência Jurídica, que se guia pela lógica do razoável, e não pela do racional, na lembrança de Recaséns Siches.

Obs.: não estou emitindo juízo pessoal algum acerca do acerto ou não da decisão do Senado, mas apenas tentando expor que o Direito não se reduz à subserviência à frieza do texto da lei. Direito é texto e contexto.