Sábado à noite, dia 4 de novembro de 2017, saio com minha maravilhosa mulher para um programa que nos era mais comum no namoro.
Escolhemos um filme chamado "O estado das coisas", compramos os tickets e, antes de entrar na sala do filme, arrematamos o maior combo de pipoca e refrigerante disponível.
Tudo estava preparado para eu embasbacar a minha boneca como um "marido" com verniz de namorado.
O entusiasmo era total, a ponto de relaxar a minha mente além do normal.
Vamos para a sala do filme e perfuramos o caminho agradavelmente obscurecido que nos levava às nossas confortáveis poltronas.
A minha princesa senta-se em primeiro lugar como que em um ato acrobático, equilibrando exemplarmente, com uma mão, um copo de 500 ml de Coca-Cola sem deixar de abraçar o obeso pote de pipoca que aguarda a iminente e rápida lipoaspiração
que nós realizaríamos durante o filme.
Chega a minha vez de externar minha destreza equilibrista. A minha mente, porém, não ajuda; ela estava muito relaxada.
Ao tentar plainar harmoniosamente rumo ao leito da minha poltrona, pressiono exageradamente o meu copo de 500 ml de Fanta Laranja, fazendo emergir uma onda líquida amarelada em uma trajetória hiperbólica que, ensaiando beijar o teto da sala, tomba inesperadamente no colo da minha esposa.
A reação é imediata. Minha esposa salta da poltrona para salvar-se do afogamento, deixando, no banco, uma poça de refrigerante. Eu logo expresso minhas escusas, e a doçura meiga da minha princesa não hesita em redimir-me do desastre.
Trocamos as inundadas poltronas por outras da vizinhança e sentamos com o cuidado necessário.
Testo o "estado das coisas" dando uns beijinhos na minha esposa, e vejo que a redenção que recebi havia sido completa.
O filme - que me deixou insatisfeito com o seu final inconclusivo - termina.
A minha mente, porém, segue obstinada naquele relaxamento não consentido.
Saio da sala e entro no corredor que dá acesso a outras salas de cinema. Parênteses: confesso que pensei ingressar, de penetra, na sessão do filme da Lava-Jato, mas a minha malandragem poderia ser confundida pelos telespectadores como uma "amostra" grátis do conteúdo do filme.
Sigo caminhando pelo corredor. Uma das minhas mãos espalmava-se com a macia mão da minha princesa. A outra agarrava o malsinado copo de 500 ml de fanta laranja. Vejo várias lixeiras ladeando o corredor, todas com o mesmo formato: um retangular buraco negro enlaçado por bordas de alumínio.
Eu queria me desfazer logo daquele traiçoeiro copo que quase arruinou a minha performance de namorado. Mirei a lixeira mais central daquele corredor para aumentar o vexame a que iria ser exposto aquele infiel copo. Ao chegar perto, arremessei-o bem no centro da lixeira, com as suas bordas de alumínio.
Eu finalmente estava livre daquele traiçoeiro copo.
#sqn! (Aprendi esse símbolo há pouco tempo; significa "só que não"; é uma partícula concessiva que serve para realçar uma figura de linguagem, a antítese).
Aquilo não era uma lixeira! Era o recipiente onde ficavam os óculos 3-D que eram dados aos consumidores.
Mais uma vez aquele traquina copo de refrigerante me havia golpeado.
Apressei-me a despejar palavras de desculpas no nobre trabalhador que dava "olhos" tridimensionais aos consumidores. Justifiquei que a similaridade com as lixeiras era notável. Acho, porém, que ele deve ter pensado que eu é que estava a precisar de óculos tridimensionais com o nível máximo de grau.
Agarrei aquele copo sapeca e, sem cerimônias, enterrei-o numa lixeira verdadeira bem ao lado.
E Zefini (para os francófanos, c'est fini)!
Só me sobrou uma lição: não comprar mais copo de refrigerante gigante quando quiser dar uma de namorado romântico.
Sorte minha que o amor da minha princesa fez tudo isso não passar de um motivo de riso em meio às inúmeras aventuras que atapetarão vitaliciamente a nossa vida.