sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Consignação em pagamento: obrigação ou ônus do devedor?





 Amigos e amigas, compartilho mais um excerto do livro do manual de direito civil que estou produzindo. Ouso com uma ideia que não vi nos manuais em geral, os quais, em geral, me parecem lacônicos sobre o tema. O devedor é ou não obrigado a ajuizar ação de consignação em pagamento nas hipóteses legais? Isso é uma obrigação ou é apenas um ônus?
Segue o excerto.
Abraços
Carlos E Elias
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1.   Consignação em pagamento: obrigação ou ônus?

A questão, porém, é saber se ele tem ou não obrigação de promover a consignação nas hipóteses legais, sob pena de suportar os encargos decorrentes da mora (juros moratórios, por exemplo) e de ter de arcar com deveres como os da conservação da coisa. Temos que os manuais são rarefeitos nesse tema, de modo que ousamos a propor uma solução nos termos a seguir.

1.1.       Causa subjetiva imputada ao credor

Quando a consignação em pagamento decorrer de causa subjetiva de culpa do credor (incisos I a III do art. 335 do CC), o devedor não pode ser punido. A mora aí é do credor, e não devedor, de modo que este não terá de arcar com encargos oriundos da mora (juros moratórios, por exemplo). Não há, pois, obrigação de o devedor promover a ação de consignação em pagamento, sofrendo os prejuízos daí decorrentes (contratação de advogado, pagamento de depósito etc.).
Há, porém, um contratempo em não promover o pagamento em consignação nesse caso. Pesará sobre devedor o dever de responder por eventual perecimento da coisa por conduta dolosa (culposa não!), conforme art. 400 do CC, o que significa que o devedor precisará conservar a coisa. A depender do objeto, isso representa prejuízo financeiro com despesas de conservação, assegurado, porém, o direito do devedor de pleitear o ressarcimento do credor (art. 400, CC).
Daí decorre que o pagamento em consignação é um ônus, e não uma obrigação, do devedor: se ele não promover esse meio indireto de pagamento, ele deixa de se livrar do dever de conservar a coisa.
Entendemos, porém, que esse contratempo deve ser lido em conjunto com a teoria da vedação do abuso de direito, da boa-fé e da análise da viabilidade material[1]. O direito precisa dialogar com a realidade. Em situações de considerável onerosidade financeira ou pessoal para a conservação da coisa, de hipossuficiência do devedor, de modéstia do valor da coisa e de pouca probabilidade de obtenção do ressarcimento das despesas de conservação, não é razoável impor ao devedor a carga de desperdiçar esforços e dinheiro, de modo que lhe seria lícito adotar alguma conduta razoável para se desvencilhar do objeto. Em relação de consumo, essa flexibilização é mais acentuada diante da vulnerabilidade do consumidor. Não há uma solução predefinida; é preciso ver o caso concreto.
Citamos um caso de que tivemos ciência a propósito dessa situação excepcional. Um consumidor alugou um contêiner para descarte dos resíduos oriundos de uma reforma no seu apartamento. Ao tentar devolver o contêiner, não conseguiu encontrar nenhum representante da empresa locadora, pois ela fechara as portas. Cabia à empresa recolher o contêiner e havia relativa urgência em restituir o contêiner, porque ele estava a ocupar uma vaga de garagem em área pública, o que expunha o consumidor a receber sanções administrativas. O consumidor, diante desse objeto mastodôntico de custosa conservação e de difícil remoção, chamou uma empresa concorrente e entregou-lhe o contêiner para seu uso, cientificando-lhe acerca da origem da coisa. Temos por razoável a solução. A empresa locadora, se reativar as suas atividades, poderá, com base no seu poder de sequela decorrente do seu direito de propriedade, buscar o contêiner onde estiver. Afinal de contas, dormientibus non sucurrit jus (o direito não socorre os que dormem).

1.2.       Causa objetiva ou causa subjetiva sem culpa do credor

Nas hipóteses dos incisos IV (dúvida quanto ao credor) e V (objeto litigioso) do art. 334 do CC, não há culpa do credor, o que justifica a obrigatoriedade de o devedor promover o pagamento em consignação ou de, assumindo o risco de ter seu pagamento tido por indevido e, assim, ter de pagar ao credor correto, pagar ao credor que entenda ser correto (art. 334, IV, CC) ou entregar o objeto que repute devido (art. 334, V, CC). Se não o fizer, o devedor incorre em mora e suportará todas as sanções decorrentes, conforme art. 395 do CC (ex.: juros de mora, multa moratória).




[1] Tratamos desse conceito em nossa dissertação de mestrado (http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/23903/1/2016_CarlosEduardoEliasdeOliveira.pdf) e no início da obra de Parte Geral do Código Civil.

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