O caso dos planos de saúde e
a retroatividade de novas leis: Contratos sucessivos e contínuos ou contrato único?
O STF superou jurisprudência antiga do STJ acerca
da existência de retroatividade da Lei dos Planos de Saúde - LPS (Lei nº
9.565/1998) em relação a contratos anteriores.
O STF, ao julgar a ADI 1.931 em 7 de fevereiro de
2018, entendeu que essa nova lei não poderia exigir que as operadoras de plano
de saúde adaptem os contratos anteriores às novas exigências legais, como o
respeito a uma cobertura mínima[1]
(art. 10, § 2º) e outras condições contratuais (art. 35-E da LPS e art. 2º da
Medida Provisória nº 2.177-44/2001). As operadoras teriam até o dezembro do ano
de 2008 para promoverem essa adaptação. Por isso, o STF declarou
inconstitucional esses dispositivos da Lei do Plano de Saúde (arts. 10, § 2º, e
35-E) e da referida medida provisória. O motivo é que aí haveria violação ao
ato jurídico perfeito.
Ao nosso sentir, a razão de decidir do STF é a
seguinte: nenhuma nova lei pode determinar que contratos anteriores a ela se
adaptem a essa nova lei em determinado prazo.
O STJ, ao tratar acerca da necessidade de os
contratos anteriores terem de se adaptar às condições de reajustes da nova lei,
já tinha se curvado ao entendimento acima, que havia sido antecipado pelo STF
por meio de uma medida cautelar deferida naquela supracitada ADI 1.931 (STJ, REsp
1568244/RJ, 2ª Seção, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19/12/2016).
Portanto, viola o ato jurídico perfeito estabelecer
que as regras da LPS devem ser aplicadas aos contratos de planos de saúde
firmados anteriormente a ela.
Entendemos, pois, que fica superado um antigo
raciocínio que o STJ utilizava para “contornar” a vedação de retroatividade
diante de ato jurídico perfeito. Antigamente, o STJ entendia que os contratos de
planos de saúde anteriores à LPS seriam reconduzidos anualmente, de maneira
que, a cada ciclo anual de renovação, esses contratos precisariam adaptar-se à
legislação então vigente. Para esse entendimento antigo STJ, aí não haveria violação
de ato jurídico perfeito, porque, a cada ciclo anual, surgiria um novo
contrato, que seria fruto da recondução do anterior. Não se trataria de
retroatividade, e sim de aplicação imediata da lei aos fatos ocorridos durante
a sua vigência. Esse novo contrato seria um novo ato jurídico perfeito, que
deveria se alinhar à lei do seu nascimento. Em suma, o STJ entendia que, quanto
aos contratos anteriores à LPS, deveria ser aplicada essa nova lei para o
“contrato” que nasceria deles ao final do seu ciclo anual como fruto da
recondução contratual. Com base nisso, o STJ condenava os planos de saúde a
fornecerem a cobertura mínima estabelecida na referida lei mesmo na hipótese de
o consumidor ter celebrado o contrato em período anterior a essa lei (STJ, AgRg
no AREsp 64.677, 4ª T., Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 04/03/2013).
Com a supracitada decisão do STF, entendemos que
não se sustenta mais esse raciocínio antigo do STJ acerca do fato de que, no
contrato de plano de saúde, haveria vários contratos sucessivos a serem
submetidos à legislação vigente no momento de cada recondução contratual.
Consideramos que, pelo menos, em matéria de
contrato de plano de saúde, esse raciocínio antigo do STJ não pode ser
utilizado. Pelo que se infere da jurisprudência mais recente, acabou
prevalecendo a ideia de que, no caso de plano de saúde, há um contrato único,
mesmo com as várias reconduções contratuais, que seriam meros “aditivos
contratuais”.
Todavia, em outros tipos de contratos em que
efetivamente a recondução contratual seja o nascimento de um novo contrato,
consideramos o raciocínio do STJ adequado para contornar a vedação do ato
jurídico perfeito. Não conhecemos, porém, exemplos disso.
Abraços
Carlos Eduardo Elias de Oliveira
Professor de Direito Civil, advogado e Consultor Legislativo do Senado Federal
Instagram: @profcarloselias
Facebook: Carlos Eduardo Elias de Oliveira
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