quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Tribunal Constitucional do Peru: autonomia indígena não justifica estupro.


Segundo o Tribunal Constitucional do Peru (o “STF” desse país), os indígenas não podem desobedecer a leis que tratam sobre direitos humanos fundamentais a pretexto de ter autonomia. Por isso, um indígena que tinha mantido relações sexuais com criança teve seu “habeas corpus” negado. Veja o julgado neste link: https://laley.pe/art/5973/nativos-pueden-ser-condenados-por-mantener-relaciones-sexuales-con-menores-de-14.

No Brasil, o debate é inflamado. Há textos acadêmicos defendendo que os indígenas possam fazer o que sua cultura quiser, até mesmo matar crianças, como é o caso do clássico texto da Rita Laura Segato intitulado “Que cada povo teça os fios de sua história” (http://revistadireito.unb.br/index.php/revistadireito/article/view/19).

Minha impressão é que o “STF” peruano acertou, mas o tema é controverso.

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Recurso a 2 questões de Direito Civil no concurso de Analista/MPU

    Olá, caríssimos e caríssimas!

         Há duas questões de direito civil do concurso de analista do MPU que, ao meu aviso, estão com o gabarito preliminar equivocados.
        Como sugestão, escrevi abaixo os fundamentos que poderiam ser usados em recurso.
Abraços
Carlos  E Elias

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SUGESTÃO DE RECURSO PARA DUAS QUESTÕES DE DIREITO CIVIL – CONCURSO DE ANALISTA DO MPU
(Prof. Carlos E. Elias de Oliveira)
1)             Questão 83: (   ) Na interpretação sistemática de lei, o intérprete busca o sentido da norma em consonância com as que inspiram o mesmo ramo do direito.
a.     Gabarito Preliminar: “Correto”.
b.    A questão merece ser anulada ou, no mínimo, o gabarito tem de ser convertido em “Errado”. A interpretação sistemática destina-se a fazer uma norma guardar coerência com outras do ordenamento jurídico, garantindo uma harmonia no sistema jurídico. Ordenamento jurídico ou sistema jurídico não é apenas um ramo do direito, mas todas as normas do ordenamento jurídico. É evidente que tem de haver alguma conexão principiológica entre as normas, ainda que elas sejam de ramos diversos do Direito: normas de diferentes ramos do Direito também dialogam entre si. A interpretação sistemática busca harmonia da norma com todas do ordenamento, sejam ou não do mesmo ramo do Direito. Nesse sentido, ao tratar de interpretação sistemática: (1) Maria Helena Diniz, afirma que “o sistema jurídico não se compõe de um só sistema de normas, mas de vários, que constituem um conjunto harmônico e interdependente” (“Curso ...”, vol. I, 2018, p. 80); (2) Caio Mário da Silva Pereira afirma que, “na sua boa compreensão, devem-se extrair de um complexo legislativo, em cujo ápice está a Constituição da República, as ideias gerais inspiradoras do ordenamento em conjunto, ou de uma província inteira” (“Instituições ..”, vol. I, 2009, p. 166); (3) Ivan Lira de Carvalho averba “todas as normas devem ser analisadas tendo em conta as suas inter-relações com outras normas do ordenamento” (in MENDES, Gilmar; STOCO, Rui (org.). Teoria Geral do Direito (coelção: doutrinas essenciais: direito civil, parte geral, v. 1), 2011). É assim no mundo: o jurista espanhol Manuel Albaladejo ensina que “El Derecho es un todo sistemático, ordenado, cuyas diversas partes coordinan y armonizan entre sí” (Derecho Civil I, 2009, p. 157). Assim, uma norma de Direito Civil tem de guardar harmonia não apenas com as demais normas de Direito Civil, mas também com as dos demais ramos do Direito, como do Direito Administrativo, a exemplo da necessidade de o art. 138 da Lei nº 8.112/90, que prevê o abandono de cargo público pela falta contínua do servidor por 30 dias, ter de harmonizar-se com o art. 22 e seguintes do Código Civil, que prevê a ausência, de modo a impedir a demissão de servidor que desapareceu (se tornou ausente). Há, porém, quem restrinja a interpretação sistemática como harmonização de uma norma com outras do mesmo ramo (ex.: Cristiano Chaves), deixando descoberto o exemplo acima (que não se encaixaria em nenhum das figuras da classificação da interpretação quanto ao modo. Como a questão em pauta focou um aspecto de divergência doutrinária (restrição ou não ao mesmo ramo do direito), requer a anulação da questão ou, caso assim não se entenda, requer a alteração do gabarito para “errado”, pois a doutrina majoritária não faz a restrição da interpretação sistemática ao mesmo ramo do direito.

2)             Questão 84: “De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, após o fim do contrato firmado para uso de imagens com fins publicitários, o uso das mesmas imagens para os mesmos fins caracteriza dano moral se não tiver havido nova autorização.”
a.     Gabarito Preliminar: Errado.
b.    O gabarito merece ser alterado para “CORRETO” diante da mudança jurisprudencial do STJ. É que o STJ, superando o antigo entendimento de que só haveria dano material, e não dano moral, no uso da imagem de alguém  após o prazo de autorização (o REsp 230.268 estava entre estes julgados superados), pacificou, por meio da 2ª Seção, que cabe dano moral pelo uso não autorizado da imagem, ainda que a publicação tenha ocorrido após um prazo autorizado e ainda que não tenha ocorrido exposição vexatória (EREsp 230.268/SP, 2ª Seção, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 04/08/2003). Esse julgado foi assim descrito no Informativonº 88/STJ: “DANO MORAL. MODELO PROFISSIONAL. CONTRATO. A embargante, modelo profissional, firmou com a embargada contrato no qual autorizava o uso de sua imagem em periódicos de circulação nacional. Ocorre que, após vencido o prazo desse contrato, a embargada veiculou a imagem sem autorização ou remuneração, não só no País, mas também no exterior. Isso posto, a Seção, por maioria, acolheu os embargos de divergência, firmando que o uso indevido da imagem, por si só, também gera direito à indenização por dano moral, sendo dispensada a prova de prejuízo, não se perquirindo a conseqüência do seu uso, se ofensivo ou não. Assim, é irrelevante o fato de a embargante ter autorizado a divulgação em contrato anterior, pois o que está em discussão não é o uso durante a vigência, mas sim posteriormente, quando já cumprido o acordo. Os votos vencidos consignavam que o dano moral só estaria caracterizado se exposta a imagem de forma vexatória, ridícula ou ofensiva ao decoro da pessoa retratada, restando ser indenizado apenas o dano material causado pela inadimplência ao contrato. Precedentes citados: REsp 267.529-RJ, DJ 18/12/2000; REsp 270.730-RJ, DJ 7/5/2001; REsp 46.420-SP, DJ 15/5/1995, e REsp 202.564-RJ, DJ 1º/10/2001.” (EREsp 230.268-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, julgado em 11/12/2002 - Informativo n. 88)


O Carnaval da Retórica: as eleições

Poucos momentos são tão ricos como o período eleitoral para quem estuda Teoria da Argumentação. O material de pesquisa é diversificado e deve exemplificar praticamente todas as técnicas argumentativas existentes.
A argumentação é a coluna vertebral de qualquer sociedade, pois o ser humano guia-se por aquilo em que acredita. Sua crença, porém, nem sempre condiz com a realidade. Aliás, nunca condirá, pois quem diz o que é a realidade é o próprio ser humano.
No início do século XX, o Brasil passou pela Revolta da Vacina como fruto da competição de linhas argumentativas. O país se dividiu em um exército de pessoas que se recusavam à vacinação obrigatória. O próprio Ruy Barbosa, um dos maiores gênios da história, insuflou os revoltosos com seu poderoso vernáculo ao acusar que, com a lei da vacina obrigatória, o Estado queria “me envenenar com a introdução, no meu sangue, de um vírus, em cuja influência existem os mais bem fundados receios de que seja condutora da moléstia, ou da morte. O Estado não pode, em nome da saúde pública, impor o suicídio dos inocentes”.
Não há nada novo abaixo do sol. Hoje, em 2018, vivemos o mesmo festival da argumentação. Abusa-se da retórica, que resumidamente busca convencer o outro a qualquer custo, sem compromissos de honestidade. Se o carnaval é a festa da carne, as eleições é a festa da retórica.
Em períodos de incêndio e de paixão como esse, muitos se exaltam e recorrem aos meios mais vis das técnicas de retórica, valendo-se do grito, da ridicularização do opositor, da descontextualização da fala do oponente, do ódio seletivo e do que modernamente se popularizou como “fake news”. Ninguém admite erros próprios, pois cada um é embaixador de um versão imutável da verdade.
O mais triste é quando, nesse alvoroço de ideias, alguns dos combatentes apelam para o recurso da ruptura de vínculos com antigos amigos e com familiares.
Nem mesmo aqueles que, querendo livrar-se dos desconfortos do carnaval da retórica, apegam-se ao silêncio conseguem ficar de fora. Logo, eles serão carimbados como “omissos”, “coniventes” etc.
Meus amigos e minhas amigas, nessa última semana, a festa promete esquentar. Veremos de tudo. Talvez surja a acusação de que algum dos candidatos deve estar sendo influenciado por algum extraterrestre interessado em dominar o Planeta. Quiçá descubramos que o Vasco sempre perde na final dos campeonatos cariocas para o Flamengo porque a Globo subornava os juízes. Ou iremos finalmente descobrir que o Silvio Santos usa peruca, como denunciava a menina Maísa.
Seja como for, o dia 29 de outubro amanhecerá notificando, com os raios de sol, os indivíduos para limpar a desordem das ruas. Será hora de tentar reatar as amizades turbadas, de consertar os estragos que o carnaval da retórica causou e de abandonar a cega arrogância de que a única verdade é a própria.
Resta saber, porém, se os notificados obedecerão ao comando do Sol da próxima segunda-feira ou se ainda insistirão em estender o fantasioso carnaval indefinidamente sob a escuridão das noites da retórica.
Para os que seguirem essa última opção, só sobrará ver o famoso “Le Penseur” retirar o punho fechado do queixo para, ainda sentado, espalmar a mão sobre o próprio rosto.

Brasília/DF, 24 de outubro de 2018.
Carlos E Elias