Poucos momentos são tão ricos como o período eleitoral para quem estuda Teoria da Argumentação. O material de pesquisa é diversificado e deve exemplificar praticamente todas as técnicas argumentativas existentes.
A argumentação é a coluna vertebral de qualquer sociedade, pois o ser humano guia-se por aquilo em que acredita. Sua crença, porém, nem sempre condiz com a realidade. Aliás, nunca condirá, pois quem diz o que é a realidade é o próprio ser humano.
No início do século XX, o Brasil passou pela Revolta da Vacina como fruto da competição de linhas argumentativas. O país se dividiu em um exército de pessoas que se recusavam à vacinação obrigatória. O próprio Ruy Barbosa, um dos maiores gênios da história, insuflou os revoltosos com seu poderoso vernáculo ao acusar que, com a lei da vacina obrigatória, o Estado queria “me envenenar com a introdução, no meu sangue, de um vírus, em cuja influência existem os mais bem fundados receios de que seja condutora da moléstia, ou da morte. O Estado não pode, em nome da saúde pública, impor o suicídio dos inocentes”.
Não há nada novo abaixo do sol. Hoje, em 2018, vivemos o mesmo festival da argumentação. Abusa-se da retórica, que resumidamente busca convencer o outro a qualquer custo, sem compromissos de honestidade. Se o carnaval é a festa da carne, as eleições é a festa da retórica.
Em períodos de incêndio e de paixão como esse, muitos se exaltam e recorrem aos meios mais vis das técnicas de retórica, valendo-se do grito, da ridicularização do opositor, da descontextualização da fala do oponente, do ódio seletivo e do que modernamente se popularizou como “fake news”. Ninguém admite erros próprios, pois cada um é embaixador de um versão imutável da verdade.
O mais triste é quando, nesse alvoroço de ideias, alguns dos combatentes apelam para o recurso da ruptura de vínculos com antigos amigos e com familiares.
Nem mesmo aqueles que, querendo livrar-se dos desconfortos do carnaval da retórica, apegam-se ao silêncio conseguem ficar de fora. Logo, eles serão carimbados como “omissos”, “coniventes” etc.
Meus amigos e minhas amigas, nessa última semana, a festa promete esquentar. Veremos de tudo. Talvez surja a acusação de que algum dos candidatos deve estar sendo influenciado por algum extraterrestre interessado em dominar o Planeta. Quiçá descubramos que o Vasco sempre perde na final dos campeonatos cariocas para o Flamengo porque a Globo subornava os juízes. Ou iremos finalmente descobrir que o Silvio Santos usa peruca, como denunciava a menina Maísa.
Seja como for, o dia 29 de outubro amanhecerá notificando, com os raios de sol, os indivíduos para limpar a desordem das ruas. Será hora de tentar reatar as amizades turbadas, de consertar os estragos que o carnaval da retórica causou e de abandonar a cega arrogância de que a única verdade é a própria.
Resta saber, porém, se os notificados obedecerão ao comando do Sol da próxima segunda-feira ou se ainda insistirão em estender o fantasioso carnaval indefinidamente sob a escuridão das noites da retórica.
Para os que seguirem essa última opção, só sobrará ver o famoso “Le Penseur” retirar o punho fechado do queixo para, ainda sentado, espalmar a mão sobre o próprio rosto.
Brasília/DF, 24 de outubro de 2018.
Carlos E Elias
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