Há duas questões de direito civil do concurso de analista do MPU que, ao meu aviso, estão com o gabarito preliminar equivocados.
Como sugestão, escrevi abaixo os fundamentos que poderiam ser usados em recurso.
Abraços
Carlos E Elias
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SUGESTÃO DE RECURSO PARA DUAS
QUESTÕES DE DIREITO CIVIL – CONCURSO DE ANALISTA DO MPU
(Prof. Carlos E. Elias de
Oliveira)
1)
Questão 83: (
) Na interpretação sistemática de lei, o intérprete busca o sentido da
norma em consonância com as que inspiram o mesmo ramo do direito.
a. Gabarito
Preliminar: “Correto”.
b. A questão merece ser anulada ou, no mínimo, o
gabarito tem de ser convertido em “Errado”. A interpretação
sistemática destina-se a fazer uma norma guardar coerência com outras do
ordenamento jurídico, garantindo uma harmonia no sistema jurídico. Ordenamento
jurídico ou sistema jurídico não é apenas um ramo do direito, mas todas as
normas do ordenamento jurídico. É evidente que tem de haver alguma conexão
principiológica entre as normas, ainda que elas sejam de ramos diversos do
Direito: normas de diferentes ramos do Direito também dialogam entre si. A
interpretação sistemática busca harmonia da norma com todas do ordenamento,
sejam ou não do mesmo ramo do Direito. Nesse sentido, ao tratar de
interpretação sistemática: (1) Maria Helena Diniz, afirma que “o sistema
jurídico não se compõe de um só sistema de normas, mas de vários, que
constituem um conjunto harmônico e interdependente” (“Curso ...”, vol. I, 2018,
p. 80); (2) Caio Mário da Silva Pereira afirma que, “na sua boa compreensão,
devem-se extrair de um complexo legislativo, em cujo ápice está a Constituição
da República, as ideias gerais inspiradoras do ordenamento em conjunto, ou de
uma província inteira” (“Instituições ..”, vol. I, 2009, p. 166); (3) Ivan Lira
de Carvalho averba “todas as normas devem ser analisadas tendo em conta as suas
inter-relações com outras normas do ordenamento” (in MENDES, Gilmar; STOCO, Rui (org.). Teoria Geral do Direito
(coelção: doutrinas essenciais: direito civil, parte geral, v. 1), 2011). É
assim no mundo: o jurista espanhol Manuel Albaladejo ensina que “El Derecho es
un todo sistemático, ordenado, cuyas diversas partes coordinan y armonizan
entre sí” (Derecho Civil I, 2009, p. 157). Assim, uma norma de Direito Civil
tem de guardar harmonia não apenas com as demais normas de Direito Civil, mas
também com as dos demais ramos do Direito, como do Direito Administrativo, a
exemplo da necessidade de o art. 138 da Lei nº 8.112/90, que prevê o abandono
de cargo público pela falta contínua do servidor por 30 dias, ter de
harmonizar-se com o art. 22 e seguintes do Código Civil, que prevê a ausência,
de modo a impedir a demissão de servidor que desapareceu (se tornou ausente). Há,
porém, quem restrinja a interpretação sistemática como harmonização de uma
norma com outras do mesmo ramo (ex.: Cristiano Chaves), deixando descoberto
o exemplo acima (que não se encaixaria em nenhum das figuras da classificação
da interpretação quanto ao modo. Como a questão em pauta focou um aspecto de
divergência doutrinária (restrição ou não ao mesmo ramo do direito), requer a
anulação da questão ou, caso assim não se entenda, requer a alteração do
gabarito para “errado”, pois a doutrina majoritária não faz a restrição da
interpretação sistemática ao mesmo ramo do direito.
2)
Questão 84: “De acordo com o Superior Tribunal de
Justiça, após o fim do contrato firmado para uso de imagens com fins
publicitários, o uso das mesmas imagens para os mesmos fins caracteriza dano
moral se não tiver havido nova autorização.”
a. Gabarito
Preliminar: Errado.
b. O gabarito merece ser alterado para “CORRETO”
diante da mudança jurisprudencial do STJ. É que o STJ, superando o antigo
entendimento de que só haveria dano material, e não dano moral, no uso da
imagem de alguém após o prazo de
autorização (o REsp 230.268 estava entre estes julgados superados), pacificou,
por meio da 2ª Seção, que cabe dano moral pelo uso não autorizado da imagem,
ainda que a publicação tenha ocorrido após um prazo autorizado e ainda que não
tenha ocorrido exposição vexatória (EREsp 230.268/SP, 2ª Seção, Rel. Ministro
Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 04/08/2003). Esse julgado foi assim descrito
no Informativonº 88/STJ: “DANO MORAL. MODELO PROFISSIONAL. CONTRATO. A
embargante, modelo profissional, firmou com a embargada contrato no qual
autorizava o uso de sua imagem em periódicos de circulação nacional. Ocorre
que, após vencido o prazo desse contrato, a embargada veiculou a imagem sem
autorização ou remuneração, não só no País, mas também no exterior. Isso posto,
a Seção, por maioria, acolheu os embargos de divergência, firmando que o uso
indevido da imagem, por si só, também gera direito à indenização por dano
moral, sendo dispensada a prova de prejuízo, não se perquirindo a conseqüência
do seu uso, se ofensivo ou não. Assim, é irrelevante o fato de a embargante ter
autorizado a divulgação em contrato anterior, pois o que está em discussão não
é o uso durante a vigência, mas sim posteriormente, quando já cumprido o
acordo. Os votos vencidos consignavam que o dano moral só estaria caracterizado
se exposta a imagem de forma vexatória, ridícula ou ofensiva ao decoro da
pessoa retratada, restando ser indenizado apenas o dano material causado pela
inadimplência ao contrato. Precedentes citados: REsp 267.529-RJ, DJ 18/12/2000;
REsp 270.730-RJ, DJ 7/5/2001; REsp 46.420-SP, DJ 15/5/1995, e REsp 202.564-RJ,
DJ 1º/10/2001.” (EREsp
230.268-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, julgado em 11/12/2002 -
Informativo n. 88)
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