Há tempos, temos apontado que a dúvida jurídica razoável pode ser considerada uma excludente de ilicitude e, consequentemente, pode afastar o dever de indenizar. Temos defendido esse uso da dúvida jurídica razoável em todos os ramos do Direito, inclusive no Direito Civil. Veja estes dois textos nossos:
a) https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td245/.
b) https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td250
Recentemente, o STJ engrossou a lista de exemplos recentemente.
O STJ nunca tinha se manifestado sobre a extinção de direito real de habitação do viúvo diante de superveniente união estável dele ainda sob a vigência do CC/16[1]. Os herdeiros pediram a extinção do direito real de habitação e a condenação do viúvo a pagar o valor de aluguel do imóvel proporcionalmente ao quinhão deles. O STJ, embora tenha reconhecido a extinção do direito real de habitação diante da equiparação da união estável com o casamento para esse efeito, só permitiu a cobrança de aluguel a partir da data desse seu julgamento, pois, antes disso, havia dúvida jurídica razoável em favor da viúva (STJ, REsp 1617636/DF, 3ª Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 03/09/2019).
Esse julgado foi relatado em recente Informativo do STJ, cujo resumo não tratou desse aspecto da dúvida jurídica razoável, mas apenas da questão principal relativa à extinção do direito real de habitação pela união estável à época do CC/16. Veja o informativo:
PROCESSO |
REsp 1.617.636-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/08/2019, DJe 03/09/2019
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RAMO DO DIREITO | DIREITO CIVIL |
TEMA |
Sucessão aberta na vigência do Código Civil de 1916. Art. 1.611, § 2º, do CC/1916. Direito real de habitação. Extinção. Cônjuge sobrevivente. União estável superveniente. Equiparação a casamento.
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DESTAQUE |
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A constituição de união estável superveniente à abertura da sucessão, ocorrida na vigência do Código Civil de 1916, afasta o estado de viuvez previsto como condição resolutiva do direito real de habitação do cônjuge supérstite.
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INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR |
Nos termos do art. 1.611, §§ 1º e 2º, do Código Civil de 1916, com os acréscimos da Lei n. 4.121/1962, o usufruto vidual e o direito real de habitação tinham por destinatário o viúvo do autor da herança, além de sujeitar os referidos benefícios a uma condição resolutiva, porquanto o benefício somente seria assegurado enquanto perdurasse o estado de viuvez. Embora o direito real de propriedade tenha adquirido novos contornos no atual Código Civil, o direito real de habitação é um limite imposto ao exercício da propriedade alheia sobre o bem. Constitui-se em favor legal ou convencional, por meio do qual se assegura ao beneficiário o direito limitado de uso do bem, para moradia com sua família, não podendo alugar, tampouco emprestar a terceiros, resultando, por outra via, em óbice à utilização e fruição do bem pelo proprietário. Esses eram seus contornos genéricos estabelecidos no art. 747 do CC/1916. Nota-se que, seja na vigência do Código Civil revogado, seja no atual, o proprietário tem, em regra, o poder de usar, fruir e dispor da coisa, além do direito de reavê-la do poder de quem a detenha ou possua injustamente. Estas faculdades inerentes ao direito de propriedade, passam a integrar o patrimônio dos herdeiros legítimos e testamentários no exato momento em que aberta a sucessão, conforme preceitua o princípio da saisine (art. 1.572 do CC/1916 e 1.784 do CC/2002), ainda que de forma não individualizada. Como, no caso, a sucessão foi aberta sob a vigência do CC/1916, deve-se perquirir se a constituição de união estável superveniente à abertura da sucessão é fato equiparado ao casamento, apto, por isso, a afastar o estado de viuvez eleito pelo legislador como condição resolutiva do direito real de habitação do cônjuge supérstite. À vista da Constituição Federal de 1988 e a Lei n. 9.278/1996, que sucederam à edição da Lei n. 4.121/1962 no tempo, esta Corte Superior, por diversas vezes, laborou no sentido de reconhecer a plena equiparação entre casamento e união estável, numa via de mão dupla. No que se refere especificamente ao direito real de habitação é de se rememorar que o referido benefício foi estendido também para os companheiros com nítido intuito de equiparação entre os institutos do casamento e da união estável. Destarte, é relevante notar que a união estável, mesmo antes do atual Código Civil, foi sendo paulatinamente equiparada ao casamento para fins de reconhecimento de benefícios inicialmente restritos a um ou outro dos casos. A despeito da origem de matizes divergentes – o formalismo do casamento e o informalismo da união estável –, a proteção é dirigida notadamente à entidade familiar, de modo que a origem de sua constituição passa a ser absolutamente irrelevante do ponto de vista jurídico.
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Carlos E Elias
[1] No caso concreto, a abertura
da sucessão ocorreu em agosto de 1990 e, um mês depois, o viúvo constituiu união
estável por escritura pública. Tudo ocorreu sob a vigência do CC/1916 e, a essa
época, o casamento do
viúvo era hipótese de extinção do seu direito real de habitação sobre o imóvel, conforme art. 1.611,
§§ 1º e 2º do CC/1916 (com o acréscimo da Lei nº 4.121/1962). Por curiosidade,
o CC/2002 não prevê mais essa hipótese de extinção para o direito real de
habitação (art. 1.831, CC).
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