quinta-feira, 26 de março de 2020

FUNCIONAMENTO DE HOTÉIS EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS (Artigo de Romulo M. Nagib)


FUNCIONAMENTO DE HOTÉIS EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS
Por Romulo M. Nagib – Brasília, 26 de março de 2020



A pandemia do coronavírus (COVID-19) trouxe restrições em nível global e sem precedentes à vida das pessoas. Até o dia em que estas breves palavras foram escritas, o site da OMS (Organização Mundial de Saúde) registrava cerca de 480 mil casos de pessoas infectadas e 20 mil mortes em decorrência do novo coronavírus.
Além dos gravíssimos efeitos na saúde, a pandemia causou (e irá causar) mudanças radicais na economia: fronteiras fechadas, centenas de milhares de voos cancelados, suspensão de escolas, universidades, eventos e cultos. Há, ainda, a medida mais drástica: o chamado lockdown, que implica isolamento domiciliar e fechamento do comércio.
Diante desse cenário inédito, surgem inúmeros questionamentos. Especificamente para o ramo da hotelaria, as perguntas que se fazem são: pode o hotel fechar suas portas durante este período de surto viral? Em caso afirmativo, como ficam as relações com os hóspedes, funcionários e fornecedores?
No Brasil, os governos estaduais estão seguindo orientações do Ministério da Saúde, adotando uma série de medidas restritivas para conter o avanço desenfreado da doença e, ao mesmo tempo, mitigar os reflexos nocivos na economia e no emprego.
A hotelaria (assim como restaurantes e bares) é um dos primeiros ramos a sofrer as consequências das restrições apontadas. Assim, manter o negócio funcionando no momento em que a grande maioria das pessoas não está saindo de casa gera prejuízos profundos, que podem chegar ao encerramento do empreendimento.
Por isso, é necessária a adoção de medidas amargas, como a redução no número de funcionários, a resolução de contratos com fornecedores e até mesmo a suspensão das atividades.
Respondendo aos questionamentos feitos acima, sim, é possível que o hotel suspenda suas operações no período de calamidade. A medida deve decorrer não somente da necessidade de preservar a atividade econômica, mas também para atender às recomendações das autoridades públicas de saúde, a fim de reduzir riscos sanitários de colaboradores e hóspedes.
A relação com os hóspedes nos parece a mais simples de ser resolvida. As reservas devem ser canceladas, garantindo ao hóspede o direito ao reembolso integral daquilo que já tiver sido pago ou a remarcação da hospedagem, sem custos.
Quanto aos funcionários, há algumas medidas que podem ser adotadas.
A primeira é a concessão de férias coletivas, total ou parcial, aos empregados. Nos termos da Medida Provisória n. 927/2020, o empregador deve informar ao empregado a antecipação das férias com antecedência mínima de 48 horas. As férias não poderão ser gozadas em períodos inferiores a 5 dias corridos e poderão ser concedidas antes de transcorrido o período aquisitivo.
A MP também garante que o adicional de um terço das férias pode ser pago após sua concessão, até a data em que é devido pagamento do décimo-terceiro salário.
A segunda medida é a instituição de regime especial de compensação de jornada (banco de horas), que pode ser estabelecido por acordo individual ou coletivo. O prazo para compensação é de até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
A terceira e mais drástica medida que atende a preservação do emprego é a redução da jornada e do salário do empregado. A Constituição Federal dispõe que o salário somente poderá ser reduzido mediante convenção ou acordo coletivo (art. 7º, VI).
Assim, caso o hotel opte por reduzir a jornada com a consequente redução salarial, essa medida necessariamente deve estar sujeita à concordância do sindicato respectivo. Aprovada em convenção ou acordo coletivo, é possível que se adote, por exemplo, regime de 15 dias consecutivos de trabalho, seguidos de 15 dias de folga.
Por fim, quanto à relação com os fornecedores, o quadro pandêmico acaba por esvaziar a utilidade de uma série de contratos, tornando impossível seu cumprimento em sua exata dimensão. Assim, vemos como possível a quebra antecipada de contrato não culposa, mediante prévia e expressa comunicação, em razão de caso fortuito gerado pela pandemia.
A resolução em tela possui fundamento nos arts. 113, §1º, III, V, 393, e na parte final do art. 607, todos do Código Civil, que dispõem:
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. (...)
§ 1 A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: (...)
III - corresponder à boa-fé; (...)
V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração.
(...)
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
(...)
Art. 607. O contrato de prestação de serviço acaba com a morte de qualquer das partes. Termina, ainda, pelo escoamento do prazo, pela conclusão da obra, pela rescisão do contrato mediante aviso prévio, por inadimplemento de qualquer das partes ou pela impossibilidade da continuação do contrato, motivada por força maior.

Com efeito, a situação que vivemos é de uma excepcionalidade talvez nunca vista. Os empreendimentos de hotelaria, gravemente afetados, muitas vezes já não possuem recursos para arcar com os custos de operação. Não há outra opção senão suspender ou terminar a prestação de alguns serviços previamente contratados.
Em razão da ocorrência de caso fortuito gerado pela calamidade pública, registre-se ser inaplicável qualquer multa pactuada por rescisão antecipada do contrato, sendo devidas somente as obrigações vencidas até o momento da notificação ao fornecedor.
Este é o panorama previsto em nosso ordenamento jurídico hoje. Todavia, as orientações, incluídas as normas jurídicas, estão mudando quase diariamente, de acordo com a evolução da pandemia. Assim, pode ocorrer que amanhã exista um caminho mais flexível a ser seguido pelo setor produtivo da hotelaria.

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