Aula de Direito Civil em Presidente Prudente/SP: lições de prudência no aeroporto
Olhos brilhantes e rosto faceiro, acordei hoje às 6:20 e preparei-me para, sob a cumplicidade da minha maravilhosa esposa, embarcar no avião rumo à agradável cidade de Presidente Prudente/SP.
Dar aula de direito civil sempre me entusiasma, ainda mais quando essa diversão da alma ocorre em outros Estados.
O embarque estava agendado para 8:40. Saímos de carro às 7:15 com tranquilidade e chegamos ao estacionamento do aeroporto às 7:40. Ao estacionar o carro, fui guardar o cartão do estacionamento na carteira.
Carteira?
Cadê minha carteira?
Eu a havia esquecido na minha casa.
As luzes dos meus olhos se cruzaram com as da minha esposa. O que fazer?
O jeito era correr.
Minha esposa ficou com as malas para antecipar procedimentos no aeroporto, como despachar malas e atravessar o horrível e engarrafado portal do raio-x.
E eu fui testar se tinha vocação para piloto de Fórmula 1.
Enterrei meu pé direito ora no flexível pedal do acelerador, ora no rígido pedal do freio, sempre até o final.
O ronco agressivo motor competia com o estridor dos pneus na orquestra sinfônica que era perturbada por buzinas de alguns intrometidos que eu costurava com os ziguezagues do meu veículo.
Nem os pardais brasilienses - aqueles fuxiqueiros não alados que, pelo desgosto de não desfrutar da liberdade de voar, vivem da fofoca e do caguete - conseguiram me fotografar. Talvez tenham registrado apenas um rastro prateado furando a calmaria do tráfego. Duvido que aqueles pássaros mudos tenham lido a placa do misterioso veículo prata.
Cheguei ao meu prédio e abandonei o veículo torto em uma vaga qualquer.
Subi ao meu apartamento a passos largos capazes de deixar ruborizados os campeões olímpicos de saltos a distância.
O Bolota e o Sushi - aqueles gângsters caninos da travessura e da fofura - saudaram minha chegada repentina com danças e sorrisos. Minha pressa não me impediu de acariciar-lhes a cabeça, ao menos com um roçar rápido de minhas mãos.
Segui meu andar em forma de saltos olímpicos para alcançar, no meu quarto, a causadora de todo o suspense: a minha carteira.
Não me aquietei.
Pensei em pular pela janela para chegar mais rápido ao carro, mas percebi que essa ideia era fruto de um mero desvario do estado de transe.
A razão me conduziu ao caminho mais seguro, embora mais lento: o elevador.
Sai do estacionamento sem ter sido cortês com um vizinho que, com o rosto pacífico da aposentadoria, lentamente curtia e relaxava ao manobrar vagarosamente o seu confortável veículo. Justificarei a ele minha indelicadeza no trânsito quando voltar de viagem.
Retornei à via expressa (expressa para mim!) em direção ao aeroporto, cavalgando nas asas do vento, ao som de buzinas, ao olhar das alamedas de “árvores de pardais” e ao xingamentos de insensíveis motoristas que rapidamente ficaram condenados ao esquecimento do meu retrovisor.
Cheguei finalmente àquela fatídica vaga de garagem do estacionamento do aeroporto, portando a carteira. O relógio marcava mais de 8 horas. Peguei o casaco da minha esposa e minha mochila, travei o carro (será?? Não me lembro!) e corri para o embarque.
No meio do caminho, vi que tinha esquecido os meus óculos escuro. Não quis repetir a “odisseia da pressa” a pé. Ignorei os meus óculos estilo aviador. Melhor conseguir alcançar o aviador da Gol, o qual me conduziria para São Paulo.
Ainda a saltos de canguru, apressei-me a serpentear os passageiros que me obstruíam o caminho. As buzinas foram substituídas por gritos; os insossos pardais, por câmeras escondidas; os xingamentos por ... outros insultos semelhantes.
Cheguei, enfim, ao portão 17, onde minha doce esposa me aguardava com rosto de angústia.
Abraçamo-nos!
Eu havia conseguido chegar a tempo.
Presidente Prudente já começou a dar lições por antecipação. O nome da capital do oeste paulista não foi homenagem ao terceiro Presidente da República, Prudente de Morais, ao contrário da literatura oficial. O espírito dessa cidade, por meio de seu nome, queria me saudar com a lição de que a prudência sempre deve andar ao lado de nossas diversões e obrigações.
Chegar com bastante antecedência ao aeroporto é ato de prudência e pode nos salvar de imprevistos, como aqueles com os quais a minha mente livre e despreocupada costuma me brindar. Sem essa prudência, podemos perder diversões e obrigações.
Presidente Prudente/SP, 31 de agosto de 2018
Carlos E. Elias de Oliveira
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“Post scriptum”
Para você não achar que sou um incorrigível esquecido, pensei em não engrossar a fileira de evidências contidas no texto sob a forma de confissão, a rainha das provas. O esquecimento da carteira e dos óculos já basta.
Todavia, a transparência de minha alma me força a outro caminho.
Confesso também que eu havia esquecido de entregar o celular para a minha esposa quando eu comecei a aventura de trânsito.
A Leilinha não conseguia falar comigo. O seu desespero era maior do que o meu: a ansiedade lateja mais no telespectador do que no ator. Depois de algum tempo, ela conseguiu encontrar um “orelhão” qualquer e me fez lembrar aquela música enfadonha de “ligação a cobrar”. A Leilinha não tinha nenhuma “ficha” para usar no orelhão e me poupar dessa lembrança.
Passado mais algum tempo, quando o “dead line” se avizinhava, ela foi pedir o telefone celular emprestado a um passageiro qualquer, externando-lhe a angústia do momento, mas recebeu o lancinante golpe do “NÃO”. Talvez a recusa tenha sido por egoísmo; talvez, pelo receio de ser vítima de algum golpe. Sei lá! A angústia da minha esposa livrou-a dessa preocupação de saber o motivo e a pilotou a outro passageiro que elegera a solidariedade e a confiança no próximo como metas de vida. Minha esposa conseguiu falar comigo enquanto eu rasgava o asfalto a mais de 120 Km/h.
Enfim, amigos e amigas, toda essa história ainda poderá ter desdobramentos futuros se aqueles frustrados pardais de ferro frustrarem a minha esperança de invisibilidade. É que o meu prontuário no Detran talvez não seja mais de um motorista que os romanos chamariam de “bonus pater familias”.
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