O justiceiro de Brasília: o Zorro do Cerrado contra as publicidades
violadoras da paisagem urbanística
Especialmente
nos últimos anos, em que o mercado imobiliário vem exuberando vigor, a beleza
arquitetônica das curvas de concreto armado na Capital Federal não divide
espaço apenas com o verde esmeralda da natureza.
A
desordem multicolor das faixas de anúncios de vendas de imóveis povoa cada
esquina da cidade, chamando a atenção de motoristas e de pedestres com as
rasuras amarelas e vermelhas de sua feição.
A
omissão do Estado em coibir essa agressão reiterada a normas urbanísticas fez
nascer do meio de população candanga um justiceiro, um Zorro dos tempos
modernos, que, no anonimato, rasga impiedosamente os rebeldes, insistentes e
inesgotáveis tecidos de morins com sua afiada espada.
Tenho
visto o resultado da atuação desse Zorro urbano na região do Plano Piloto.
Exigir dele a administração da justiça nas cidades-satélites parece ser tarefa
geograficamente impossível para apenas um espadachim. Em Águas Claras, em que a
fertilidade das faixas é muito mais acentuada, minhas poucas visitas a essa
bela região não me deixaram ver os efeitos do fio da espada do justiceiro.
Impressiona
a qualquer um circular por Brasília e deparar-se, a cada esquina e a cada
“balão”, com uma faixa, que, ao ser simbolicamente cortada ao meio, deixa duas
bandeiras desfraldadas pelos ventos secos do calor do cerrado.
O novo Zorro
tem sua marca registrada. No passado, a letra “Z”, desenhada pela raposa da Los
Angeles espanhola, era o sinal de advertência aos infratores de que
reincidências seriam punidas. No presente, é o balanço das duas bandeiras, com
seus mastros fincados ao solo, que envia o recado ameaçador de que o novo Zorro
da ordem urbanística reaparecerá, se necessário for, para regozijo dos amantes
de Brasília.
Não resisti à
tentação de escrever sobre o tema após assistir a um episódio que me convenceu
de que a raposa (ou o calango, como queiram) do cerrado não está de
brincadeira. Em certo dia, vi um grande banner
de polietileno – que é bem mais caro que o simples tecido de morim – na entrada
de uma quadra da Asa Sul com a seguinte mensagem em vermelho: “Procuro imóvel
para cliente”. E, no rodapé da faixa, havia uma súplica endereçada ao famoso
justiceiro, rogando algo como isto: “Por favor, não rasgue a faixa. Apenas
estou trabalhando”. O pedido de clemência devia ter motivação. Provavelmente, o
justiceiro já havia deixado esse corretor com olhos rasos d’água em outras
situações.
O Zorro não
perdoou a violação da norma urbanística. Na manhã seguinte, o espadachim fatiou
“todinho” o banner, deixando-o em
frangalhos. Acho que o Zorro perdeu a paciência. Sua cólera desviou sua afiada
espada do costumeiro percurso vertical para um itinerário desvairado de
intolerância.
Enfim, o Zorro
do Cerrado, a exemplo de sua antiga versão espanhola, continuará aparecendo (se
não se cansar, pois até os heróis podem sofrer fadiga) enquanto a justiça
urbanística não for restaurada, seja pelo empenho efetivo do Estado na
repressão dos desvios, seja pela sujeição dos indivíduos às regras de
convivência urbana.
E cabe uma
última reflexão: o Zorro do Cerrado é um “fora da lei”, como era considerada a
sua versão espanhola? Incide em algum ilícito penal, como o crime de dano ou o
de exercício arbitrário das próprias razões? Incorre em algum ilícito civil,
para cuja configuração se exige violação de um direito, conforme art. 187 do
Código Civil?
Responderia o Poeta:
“sei lá, sei lá, a vida tem sempre razão”.
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