sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O justiceiro de Brasília: o Zorro do Cerrado contra as publicidades violadoras da paisagem urbanística


O justiceiro de Brasília: o Zorro do Cerrado contra as publicidades violadoras da paisagem urbanística

                Especialmente nos últimos anos, em que o mercado imobiliário vem exuberando vigor, a beleza arquitetônica das curvas de concreto armado na Capital Federal não divide espaço apenas com o verde esmeralda da natureza.

                A desordem multicolor das faixas de anúncios de vendas de imóveis povoa cada esquina da cidade, chamando a atenção de motoristas e de pedestres com as rasuras amarelas e vermelhas de sua feição.

                A omissão do Estado em coibir essa agressão reiterada a normas urbanísticas fez nascer do meio de população candanga um justiceiro, um Zorro dos tempos modernos, que, no anonimato, rasga impiedosamente os rebeldes, insistentes e inesgotáveis tecidos de morins com sua afiada espada.

                Tenho visto o resultado da atuação desse Zorro urbano na região do Plano Piloto. Exigir dele a administração da justiça nas cidades-satélites parece ser tarefa geograficamente impossível para apenas um espadachim. Em Águas Claras, em que a fertilidade das faixas é muito mais acentuada, minhas poucas visitas a essa bela região não me deixaram ver os efeitos do fio da espada do justiceiro.

                Impressiona a qualquer um circular por Brasília e deparar-se, a cada esquina e a cada “balão”, com uma faixa, que, ao ser simbolicamente cortada ao meio, deixa duas bandeiras desfraldadas pelos ventos secos do calor do cerrado.

O novo Zorro tem sua marca registrada. No passado, a letra “Z”, desenhada pela raposa da Los Angeles espanhola, era o sinal de advertência aos infratores de que reincidências seriam punidas. No presente, é o balanço das duas bandeiras, com seus mastros fincados ao solo, que envia o recado ameaçador de que o novo Zorro da ordem urbanística reaparecerá, se necessário for, para regozijo dos amantes de Brasília.

Não resisti à tentação de escrever sobre o tema após assistir a um episódio que me convenceu de que a raposa (ou o calango, como queiram) do cerrado não está de brincadeira. Em certo dia, vi um grande banner de polietileno – que é bem mais caro que o simples tecido de morim – na entrada de uma quadra da Asa Sul com a seguinte mensagem em vermelho: “Procuro imóvel para cliente”. E, no rodapé da faixa, havia uma súplica endereçada ao famoso justiceiro, rogando algo como isto: “Por favor, não rasgue a faixa. Apenas estou trabalhando”. O pedido de clemência devia ter motivação. Provavelmente, o justiceiro já havia deixado esse corretor com olhos rasos d’água em outras situações.

O Zorro não perdoou a violação da norma urbanística. Na manhã seguinte, o espadachim fatiou “todinho” o banner, deixando-o em frangalhos. Acho que o Zorro perdeu a paciência. Sua cólera desviou sua afiada espada do costumeiro percurso vertical para um itinerário desvairado de intolerância.

Enfim, o Zorro do Cerrado, a exemplo de sua antiga versão espanhola, continuará aparecendo (se não se cansar, pois até os heróis podem sofrer fadiga) enquanto a justiça urbanística não for restaurada, seja pelo empenho efetivo do Estado na repressão dos desvios, seja pela sujeição dos indivíduos às regras de convivência urbana.

E cabe uma última reflexão: o Zorro do Cerrado é um “fora da lei”, como era considerada a sua versão espanhola? Incide em algum ilícito penal, como o crime de dano ou o de exercício arbitrário das próprias razões? Incorre em algum ilícito civil, para cuja configuração se exige violação de um direito, conforme art. 187 do Código Civil?

Responderia o Poeta: “sei lá, sei lá, a vida tem sempre razão”.

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