terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Comentários a julgados do STJ: ocupação irregular de bem público (Súmula 619/STJ)


OCUPAÇÃO IRREGULAR SOBRE BEM PÚBLICO: POSSE OU DETENÇÃO?


Carlos E. Elias de Oliveira
Brasília/DF, 12 de fevereiro de 2018.






     A recente Súmula nº 619/STJ é mal redigida, pois foi redigida com olhos apenas nos precedentes das Turmas de Direito Público do STJ, que analisam casos de ocupantes irregulares de bens públicos que pleiteavam indenização contra o Poder Público por acessões e construções.  A Súmula nº 619/STJ só é veraz perante o Poder Público. Quando, porém, a ocupação irregular de bem público for levada em conta entre dois particulares, é possível falar em posse, a credenciar o manejo de ações possessórias entre particulares (STJ, REsp 1296964/DF, 4ª Turma, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 07/12/2016). Isso é o que decidem as Turmas de Direito Privado.
a.     Obs. 1: O STJ ainda não decidiu se cabe indenização por acessões ou benfeitorias entre particulares que disputam a posse envolvendo bem público. A tendência é admitir a indenização, pois, entre particulares, há posse, e não detenção, sobre bem público. De fato, o que foi decidido pelo STJ é que o Poder Público não tem de indenizar o ocupante irregular, pois este é detentor em relação ao Estado.
b.    Obs.2: em termos de nomenclatura, há precedente do STJ que chegam a insinuar que o ocupante irregular de bem público é detentor mesmo entre particulares, mas, apesar disso, de modo precário, pode valer-se de ação possessória (STJ, AgInt no REsp 1324548/DF, 4ª Turma, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 18/08/2017)


Súmula nº 619/STJ: “A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por
acessões e benfeitorias.”

“RECURSO ESPECIAL. POSSE. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. BEM PÚBLICO DOMINICAL. LITÍGIO ENTRE PARTICULARES. INTERDITO POSSESSÓRIO. POSSIBILIDADE. FUNÇÃO SOCIAL. OCORRÊNCIA.
1. Na ocupação de bem público, duas situações devem ter tratamentos distintos: i) aquela em que o particular invade imóvel público e almeja proteção possessória ou indenização/retenção em face do ente estatal e ii) as contendas possessórias entre particulares no tocante a imóvel situado em terras públicas.
2. A posse deve ser protegida como um fim em si mesma, exercendo o particular o poder fático sobre a res e garantindo sua função social, sendo que o critério para aferir se há posse ou detenção não é o estrutural e sim o funcional. É a afetação do bem a uma finalidade pública que dirá se pode ou não ser objeto de atos possessórias por um particular.
3. A jurisprudência do STJ é sedimentada no sentido de que o particular tem apenas detenção em relação ao Poder Público, não se cogitando de proteção possessória.
4. É possível o manejo de interditos possessórios em litígio entre particulares sobre bem público dominical, pois entre ambos a disputa será relativa à posse.
5. À luz do texto constitucional e da inteligência do novo Código Civil, a função social é base normativa para a solução dos conflitos atinentes à posse, dando-se efetividade ao bem comum, com escopo nos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
6. Nos bens do patrimônio disponível do Estado (dominicais), despojados de destinação pública, permite-se a proteção possessória pelos ocupantes da terra pública que venham a lhe dar função social.
7. A ocupação por particular de um bem público abandonado/desafetado - isto é, sem destinação ao uso público em geral ou a uma atividade administrativa -, confere justamente a função social da qual o bem está carente em sua essência.
8. A exegese que reconhece a posse nos bens dominicais deve ser conciliada com a regra que veda o reconhecimento da usucapião nos bens públicos (STF, Súm 340; CF, arts. 183, § 3°; e 192; CC, art.
102); um dos efeitos jurídicos da posse - a usucapião - será limitado, devendo ser mantido, no entanto, a possibilidade de invocação dos interditos possessórios pelo particular.
9. Recurso especial não provido.”
(REsp 1296964/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 07/12/2016)


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