OCUPAÇÃO
IRREGULAR SOBRE BEM PÚBLICO: POSSE OU DETENÇÃO?
Carlos E. Elias de Oliveira
Brasília/DF, 12 de fevereiro de 2018.
A recente Súmula nº 619/STJ é mal redigida,
pois foi redigida com olhos apenas nos precedentes das Turmas de Direito
Público do STJ, que analisam casos de ocupantes irregulares de bens públicos
que pleiteavam indenização contra o Poder Público por acessões e
construções. A Súmula nº 619/STJ só é
veraz perante o Poder Público. Quando, porém, a ocupação irregular de bem
público for levada em conta entre dois particulares, é possível falar em posse,
a credenciar o manejo de ações possessórias entre particulares (STJ, REsp
1296964/DF, 4ª Turma, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 07/12/2016). Isso
é o que decidem as Turmas de Direito Privado.
a.
Obs. 1: O STJ ainda não decidiu se cabe
indenização por acessões ou benfeitorias entre particulares que disputam a
posse envolvendo bem público. A tendência é admitir a indenização, pois, entre
particulares, há posse, e não detenção, sobre bem público. De fato, o que foi
decidido pelo STJ é que o Poder Público não tem de indenizar o ocupante
irregular, pois este é detentor em relação ao Estado.
b.
Obs.2: em termos de nomenclatura, há
precedente do STJ que chegam a insinuar que o ocupante irregular de bem público
é detentor mesmo entre particulares, mas, apesar disso, de modo precário, pode
valer-se de ação possessória (STJ, AgInt no REsp 1324548/DF, 4ª Turma, Rel.
Ministro Raul Araújo, DJe 18/08/2017)
Súmula
nº 619/STJ: “A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza
precária, insuscetível de retenção ou indenização por
acessões
e benfeitorias.”
“RECURSO
ESPECIAL. POSSE. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. BEM PÚBLICO DOMINICAL.
LITÍGIO ENTRE PARTICULARES. INTERDITO POSSESSÓRIO. POSSIBILIDADE. FUNÇÃO
SOCIAL. OCORRÊNCIA.
1.
Na ocupação de bem público, duas situações devem ter tratamentos distintos: i)
aquela em que o particular invade imóvel público e almeja proteção possessória
ou indenização/retenção em face do ente estatal e ii) as contendas possessórias
entre particulares no tocante a imóvel situado em terras públicas.
2.
A posse deve ser protegida como um fim em si mesma, exercendo o particular o
poder fático sobre a res e garantindo sua função social, sendo que o critério
para aferir se há posse ou detenção não é o estrutural e sim o funcional. É a
afetação do bem a uma finalidade pública que dirá se pode ou não ser objeto de
atos possessórias por um particular.
3.
A jurisprudência do STJ é sedimentada no sentido de que o particular tem apenas
detenção em relação ao Poder Público, não se cogitando de proteção possessória.
4. É possível o manejo de interditos
possessórios em litígio entre particulares sobre bem público dominical, pois
entre ambos a disputa será relativa à posse.
5.
À luz do texto constitucional e da inteligência do novo Código Civil, a função
social é base normativa para a solução dos conflitos atinentes à posse,
dando-se efetividade ao bem comum, com escopo nos princípios da igualdade e da
dignidade da pessoa humana.
6.
Nos bens do patrimônio disponível do Estado (dominicais), despojados de
destinação pública, permite-se a proteção possessória pelos ocupantes da terra
pública que venham a lhe dar função social.
7.
A ocupação por particular de um bem público abandonado/desafetado - isto é, sem
destinação ao uso público em geral ou a uma atividade administrativa -, confere
justamente a função social da qual o bem está carente em sua essência.
8.
A exegese que reconhece a posse nos bens dominicais deve ser conciliada com a
regra que veda o reconhecimento da usucapião nos bens públicos (STF, Súm 340;
CF, arts. 183, § 3°; e 192; CC, art.
102);
um dos efeitos jurídicos da posse - a usucapião - será limitado, devendo ser
mantido, no entanto, a possibilidade de invocação dos interditos possessórios
pelo particular.
9.
Recurso especial não provido.”
(REsp
1296964/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
18/10/2016, DJe 07/12/2016)
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