Discordo parcialmente do
seguinte julgado do TRF3. A meu sentir, somente deveria ter sido negado o
usucapião em relação à hipoteca instituída à CEF, pois, por lei (art. 9º da Lei
nº 5.741/71), é vedada a caracterização de posse contra ela. O ocupante irregular
seria detentor em relação à hipoteca. Ele seria, no entanto, possuidor, com
animus domini, perante o mutuário. Em suma, a posse ad usucapionem seria sobre
a propriedade onerada (a propriedade menos plena), e não sobre a propriedade plena. O invasor seria
aparente titular de um imóvel onerado por hipoteca, e não de um imóvel sem
gravame. E essa aparência é que lhe garantiria o usucapião. Lembre-se de que a aquisição originária da propriedade pelo usucapião decorre da presunção (que admite exceções) de que o ocupante exerce a aparência (a posse) de ser titular da propriedade plena.
AGRAVO
DE INSTRUMENTO. USUCAPIÃO. IMÓVEL PERTENCENTE AO SFH. PROTEÇÃO CONTRA OCUPAÇÕES
IRREGULARES. AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI. DESTINAÇÃO DO SFH À CONDUÇÃO DA
POLÍTICA HABITACIONAL. 1. Tratando-se de beneficiário da justiça gratuita, o
presente recurso merece ser conhecido independentemente de preparo. 2. A
decisão de primeira instância está lastreada na análise do conjunto probatório
carreado aos autos principais, estando devidamente fundamentada. Diante disso,
e tendo em vista que o ora agravante não logrou demonstrar com provas concretas
o desacerto dessa decisão, seus fundamentos devem ser mantidos. 3. A hipótese
de usucapião urbana especial, prevista no art. 183 da Constituição, no art. 9º
da lei 10.257/01 e no art. 1.240 do Código Civil, não exige justo título ou
boa-fé, mas somente a inexistência de outros imóveis em nome da pessoa
interessada e sua ocupação por cinco anos, para fins de residência familiar. 4.
De igual forma, a outra espécie de prescrição aquisitiva de que se vale a
apelante, qual seja, a usucapião extraordinária, prevista no antigo art. 550 do
Código Civil de 1916, também independe de justo título ou boa-fé, necessitando
tão apenas que a pessoa ocupe o imóvel pelo período de vinte anos, sem
interrupção ou oposição, com animus domini. 5. Entretanto, não é possível
singelamente ignorar que o imóvel pretendido pertence a um empreendimento
objeto de financiamento pelo Sistema Financeiro de Habitação - SFH, concedido
pela Caixa Econômica Federal, tendo a hipoteca como garantia do mútuo. Trecho
da decisão do Juízo a quo (Fls. 47v). 6. Como o imóvel em comento constitui
objeto de operação financeira no bojo do sistema financeiro de habitação,
merece proteção contra eventuais ocupações irregulares, consoante prescreve o
art. 9º da Lei n.º 5.741/71. Precedentes do E. TRF-4, do E. TRF-2 e deste E.
TRF-3. 7. Ausente, portanto, o requisito da intenção de ter a coisa para si
(animus rem sibi habendi ou animus domini). Com isso, inviável a satisfação da
pretensão recursal. 8. O SFH é destinado à condução de política habitacional
que beneficia a população de baixa renda e, neste sentido, preservar as
receitas derivadas do adimplemento de mútuos propicia a manutenção de recursos
públicos necessários a implantação de empreendimentos habitacionais no país. 9.
Manifestação do Ministério Público em sentido semelhante (Fls. 141). 10. Agravo
de instrumento conhecido e não provido.
Processo:
0033603-25.2012.4.03.0000/SP
Fonte:
Tribunal Regional Federal da 3ª Região