quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Condomínio de lotes, condomínio urbanístico ou "condomínio fechado"


 Boa noite, amigos.

A partir do Kollemata (http://www.kollemata.com.br/kollemata/index.php), excelente repositório de decisões administrativas do TJSP em matéria afeta aos serviços  notariais e de registro, disponível gratuitamente a todos, deparamo-nos com uma decisão que conseguiu explicar bem a figura do "loteamento fechado" e do "condomínio de lotes".
Vale a pena a leitura.
Abraços
Carlos E. Elias de Oliveira


--------------------------------------------

Condomínio de Lotes. Regularização. Loteamento fechado. Consulta pública.

EMENTA NÃO OFICIAL. Alteração das Normas de Serviço da CGJSP para exclusão do regramento dos chamados "condomínio de lotes" (supressão dos itens 222.2 e 229 e a exclusão da menção ao art. 3º, do Dec.-Lei nº 271/67, no item 293, do Capítulo XX).

CGJSP - Processo: 141.294/2014 CGJSP - ProcessoLOCALIDADE: São Paulo
DATA JULGAMENTO: 13/01/2016
Relator: Manoel de Queiroz Pereira Calças
Legislação:
  • CC2002 - Código Civil de 2002 | 10.406/2002
  • CF - Constituição da República | 1988
  • DL58 - decreto-Lei | 58
  • LCE - Lei de Condomínios e incorporação | 4.591/64
  • LICC - Lei de Introdução ao CC | 4.657/1942
  • LPSU - Lei de Parcelamento do Solo Urbano | 6766/1979

íntegra:
DICOGE 5.1 - PROCESSO Nº 2014/141294 - SÃO PAULO - CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - (104/2015-E)
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
Trata-se de consulta pública, por meio da qual se ouviram interessados, diversas entidades, além de especialistas na matéria, acerca da viabilidade de a Corregedoria Geral da Justiça regrar, em suas Normas de Serviço, os chamados "condomínio de lotes".
Estão encartadas aos autos as diversas manifestações: fls. 13/30: manifestação de particulares; fls. 33/50: titular do 2º Ofício de Teresópolis/RJ; fl. 52: manifestação de particular; fls. 54/62: manifestação do Oficial Registrador de Bataiporã/MS; fls. 64/72: manifestações de particulares; fls. 74/76: manifestação da Associação dos Moradores de Itamambuca; fls. 85/122: manifestações de particulares; fls. 123/ 132: manifestação do Ministério Público; fls. 133/134: manifestação de particular; fls. 143/148: manifestação do Instituto dos Advogados de São Paulo; fls. 150/163 e 248/258: manifestação do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil; fl. 167: manifestação da Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo; fls. 175/176 e 223/236: manifestação da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo; fls. 178/ 188: manifestação do SECOVI; fls. 189/ 193: manifestação do Excelentíssimo Presidente da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo; fls. 197/206: manifestação do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico; fl. 219: manifestação de particular; fls. 240/243: manifestação da Defensoria Pública; fls. 245/246: manifestação do Excelentíssimo Desembargador Vicente de Abreu Amadei; fls. 262/272: manifestação do Excelentíssimo Desembargador Francisco Eduardo Loureiro; fls. 274/279: manifestação do Excelentíssimo Juiz de Direito Claudio Luiz Bueno de Godoy; fls. 281/296: manifestação de particulares.
O parecer que segue leva em conta todas essas manifestações e trata, de forma direta ou reflexa, de seus fundamentos.
Passamos a opinar.
Como ponto de partida, é preciso diferenciar loteamentos, condomínios deitados, loteamentos fechados e condomínios de lotes. Doutrina, jurisprudência e, por vezes, até mesmo o legislador confundem os conceitos, o que causa dificuldades no trato da matéria.
O conceito de loteamento é dado pela própria Lei n. 6.766/79. Após definir, no art. 1º, que "o parcelamento do solo para fins urbanos será regido por essa Lei", o legislador explicita, no art. 2º, o que se deve entender por loteamento e desmembramento:
Art. 2 O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.
§ 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.
§ 2º- considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.
Os artigos 3º e 4º impõem condições e requisitos para o parcelamento do solo e loteamento, ao passo que as disposições seguintes tratam do projeto, da necessidade de aprovação pelo Município e, finalmente, do registro, valendo enfatizar que, a partir desse momento, de acordo com o art. 22, ''passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo. "
Condomínios deitados, por sua vez, são aqueles previstos na Lei n. 4.591/64, que, em seu art. 8º, descreve os requisitos necessários:
Art. 8º Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador, o cessionário dêste ou o promitente cessionário sôbre êle desejar erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte:
a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades;
b) em relação às unidades autônomas que constituírem edifícios de dois ou mais pavimentos, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação, aquela que eventualmente fôr reservada como de utilização exclusiva, correspondente às unidades do edifício, e ainda a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá a cada uma das unidades;
c) serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sôbre os vários tipos de unidades autônomas;
d) serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem comum para as vias públicas ou para as unidades entre si.
Dentre as principais características dos condomínios deitados, portanto, pode-se destacar a referência a casas térreas ou assobradadas.  A lei não se refere aos lotes, mas às casas, como unidades autônomas. É de rigor, assim, a vinculação do terreno à efetiva construção que nele será erigida e que constituirá, conforme a Lei n. 4.591/64, a unidade autônoma.
Ao lado dos loteamentos urbanos e dos condomínios deitados, a segunda metade do século passado viu surgir, com força cada vez mais acentuada, a figura dos chamados "loteamentos fechados". Cuida-se de loteamentos, projetados e aprovados de acordo com os parâmetros da Lei n. 6.766/79, porém com reversão das áreas de domínio público a uma associação formada por proprietários de lotes, que passa a ser responsável pela sua manutenção e, via de consequência, passa a controlar o acesso ao loteamento, por meio de muros e cercas. A reversão é feita através de permissão ou concessão de uso, a título precário, pelo Município.
Por fim, os denominados "condomínios de lotes", ou "condomínios urbanísticos" caracterizam-se, segundo Melhim Namem Chalhub, "pela divisão de uma gleba de terra em quinhões autônomos (lotes); os lotes constituem unidades imobiliárias autônomas atribuídas à propriedade       individual dos respectivos adquirentes, existindo ainda partes da gleba que pertencem em comum a todos os titulares dos lotes, e essas partes são as vias internas de circulação e outras coisas que, por sua natureza, destinam-se ao uso comum. Essa espécie de condomínio é objeto do art. 3º do Dec.-Lei 271/1967, combinado com o art. 8º da Lei 4.591/1964 e com os arts. 1.331 seguintes do Código Civil; sua implantação é regulamentada pelos municípios, por força da competência que lhes atribuiu a Constituição em matéria urbanística." (Condomínio de lotes de terreno urbano, in Doutrinas essenciais, direito registral, vol. IV, Registro imobiliário: modificações da propriedade, org. Ricardo Dip e Sérgio Jacomino, São Paulo: RT, 2011, p. 1.235/1.236)
A tese central, para os adeptos da existência jurídica dos "condomínios de lotes", é a desvinculação do terreno à efetiva construção. Ou seja, a unidade autônoma não seria a casa térrea ou assobradada, que será erigida sobre o lote, junto ao jardim e quintal, mas o lote em si. Ainda de acordo com o autor acima, "a instituição do condomínio de lotes prescinde da construção de casas por parte do empreendedor. Tal como os apartamentos e as casas, os lotes constituem 'áreas privativas ', 'unidades autônomas ' correspondentes a porções de terreno individualizadas, localizadas e demarcadas, mas sem construção; nelas, os adquirentes erigirão, eles próprios, as casas por sua conta, se e quando desejarem." (ob. cit., p. 1.254)
Para conferir fundamento legal à existência do condomínio de lotes, os adeptos dessa tese apontam para a vigência do art. 3º do Dec.-Lei 271/1967, que equipara "o loteador ao incorporador, os compradores de lotes aos condôminos e as obras de infraestrutura à construção da edificação." Assim, prontas as obras de infraestrutura, equiparadas à construção da edificação, não haveria razão para vincular o terreno - o lote - à efetiva construção da casa.
A tese, a meu ver, não se sustenta. Ao tratar das normas que ainda estariam em vigor mesmo após a edição da Lei n. 6.766/79, Arnaldo Rizzardo aponta o Dec.-Lei 271/67, mas observa que apenas a parte em que não conflita com a Lei de Parcelamento, conforme o art. 2º, §2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Menciona, assim, como exemplo do que ainda vigora, somente a distinção entre loteamento e desmembramento e a previsão de que os espaços para edificações e equipamentos públicos e para o sistema viário passem para o domínio do Município.
Se bem vistas as coisas, porém, nem mesmo essa parte parecer se manter, dado que, de acordo com o art. 2º, §1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a lei posterior revoga a anterior quando regular inteiramente a matéria de que essa tratava.
Ora, a Lei n. 6.766/79 regulou, expressamente, de acordo com seu art. 1º, o parcelamento do solo para fins urbanos. E disse, com todas as letras, que "o parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes". Vale dizer, não há outra forma de se parcelar o solo urbano que não por meio de loteamento ou desmembramento nem sobrevive qualquer legislação que a preveja.
Se se deseja estabelecer um condomínio deitado, pode-se fazê-lo, desde que respeitadas as regras do art. 8º da Lei n. 4.591/64, especialmente com vinculação do lote à construção.
Parece claro que não se deve dar ao art. 3º do Dec.-Lei 271/67 a extensão que se pretende. Logo de início já se pode desconstruir o argumento. O art. 3º diz: "Aplica-se aos loteamentos a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, equiparando-se o loteador ao incorporador, os compradores de lote aos condôminos e as obras de infra-estrutura à construção da edificação." O Dec.-lei é de  1967, tempo em que ainda não vigia a Lei n. 6.766. Quando, em 1979, foi editada a Lei 6.766, que regrou "o parcelamento do solo para fins urbanos", a nova leitura do art. 3° do Dec.-Lei 271/67, para quem ainda quisesse lê-lo, só poderia ser: "Aplica-se aos loteamentos ...a Lei n. 6.766/79, oras. O que mais se poderia aplicar, se uma lei posterior, na dicção da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, regulou inteiramente a matéria que era regulada pelo Decreto-lei 58/37? Em termos claros: a loteamentos, aplica-se a Lei n. 6.766/79; a condomínios, a Lei n. 4.591/64. Não é possível resgatar um dispositivo absolutamente isolado e revogado para querer equiparar  figuras distintas, criando um retalho de loteamento/condomínio, com o claro intuito de aproveitar o que há de mais conveniente nas duas legislações. Parcela-se o solo, em regime de condomínio, mas sem os rigores da lei de parcelamento.
Como bem observou Francisco Eduardo Loureiro, no paradigmático voto do processo CG 001536/96, "o que visou o Decreto-lei 271/67, na verdade, em especial seu art. 3º foi estender aos adquirentes de lotes, no regime do Decreto-lei 58/37, as normas protetivas que já vigoravam em relação aos adquirentes das unidades em condomínio. Não houve, por óbvio, equiparação de loteamento a condomínio, institutos distintos e absolutamente inconfundíveis."
...
Como explicam os autorizados registradores Ademar Fioranelli e Jersé Rodrigues da Silva, "os Cartórios devem estar atentos para os casos comuns que surjam na prática, em que certos proprietários inescrupulosos, a pretexto de incorporação sob a égide da Lei 4.591/64, pretendem regularizar verdadeiros loteamentos, isto porque a lei de condomínio e incorporações não admite o terreno divorciado da construção. Ao quererem aplicar o art. 80  da Lei 4.591/64, pretendem, na maioria das vezes, utilizar-se do Decreto-lei 271/67, que manda aplicar, no que couber, àquele diploma aos loteamentos, em afronta à Lei n. 6.766/79, que revogou, pela superveniência, o aludido Dec.-Lei 271/67" (Das incorporações, especificação, instituição e convenção de condomínio, p. 07).
 Em obra específica sobre o assunto, Luís Paulo Germanos escreve:
"Reitera-se, primeiramente, que condomínio em edificações e parcelamento do solo não se confundem. São dois institutos jurídicos distintos, com procedimento, regras e leis próprios. O primeiro pertence ao ramo do Direito Privado; o segundo, como bem esclarece Orlando Gomes,  'mais interessa ao direito público  do que ao direito privado'.  Incidem  em grave  equívoco  aqueles  que  insistem em sobrepor essas duas figuras. É licito compará-las, porém transformá-las num único instituto seria o mesmo que negar-lhes existência e pressupor a concepção de uma nova forma  de aproveitamento do solo. Nada mais absurdo."(Condomínio especial por unidades autônomas de terrenos - desnecessidade  de  vinculação  imediata  do  terreno  à construção  das unidades habitacionais, dissertação apresentada à Faculdade de Direito da  Universidade de São Paulo, para  obtenção do título de mestre  em direito civil, São Paulo, 2005, p. 136)
Argumenta-se, por outro lado, que a área de uso exclusivo, na verdade, é o lote, sendo a construção um acessório que sobre ele se erige. O que não poderia ser modificado, excedido, é o lote. Modificações na construção, desde que respeitadas a legislação urbanística municipal, a convenção de condomínio e restrições convencionais seriam irrelevantes na configuração da área de uso exclusivo (lote). Por isso, nada impediria que, mantida a fração ideal de cada condômino, representada pelo lote, as construções fossem alteradas segundo a conveniência de cada um.
Guardado o devido respeito pela perspicácia do raciocínio, sua aceitação implicaria burlar a Lei de Parcelamento do Solo. Na medida em que se permitisse alterar o projeto de construção aprovado para o condomínio, nada impediria que se projetasse um empreendimento com casas de qualquer tamanho - as chamadas casas de cachorro -, apenas para incorporação e instituição do condomínio. Em seguida, os condôminos construiriam - se quisessem - as casas que entendessem convenientes ou mesmo não as construiriam, pois quem pode o mais (alterar o projeto), pode o menos (não construir).
E o que isso representaria? Parcelamento do solo, sem necessidade de obediência aos requisitos da Lei n. 6.766/79. Utiliza-se a Lei 4.591/64, desvincula-se o terreno da construção, tudo sem observância das exigências para o loteamento.
Nem se diga que o julgamento do Recurso Especial 709.403-SP, pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, alterou esse quadro. O precedente não admite a existência do condomínio de lotes, mas, apenas, a possibilidade de a incorporadora não executar diretamente a edificação das casas, caso não seja também a construtora, e que o faça por contratação de uma construtora ou deixe para cada adquirente de lote fazê-lo, mediante contratação de terceiro. Exige-se, contudo, a apresentação do projeto de execução e que esse seja aprovado pela autoridade administrativa competente, o que mostra a necessidade de que a construção seja providenciada e nos exatos moldes do projeto obrigatoriamente apresentado e aprovado.
Sob o ponto de vista legislativo, por outro lado, é preciso ressaltar a inexistência de legislação federal que preveja o condomínio de lotes. Veja-se que sequer a Medida Provisória 656/14 - que, de mais a mais, fazia uma mera menção ao "condomínio de lotes de terreno urbano", o que, de certo, não seria suficiente para amparar a existência dessa modalidade - foi convertida, nessa parte, em lei.
O art. 11 da MP dizia: A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio de lotes de terreno urbano, devidamente registrada, não poderá ser objeto de evicção ou de decretação de ineficácia, mas eventuais credores do alienante ficam sub-rogados no preço ou no eventual crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como da aplicação das disposições constantes da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
A MP 656/14 foi convertida na Lei 13.097/15 que, em seu artigo 55, alterou a redação do mencionado artigo 11, excluindo a menção ao "condomínio de lotes de terreno urbano". A Redação do artigo 55 é a seguinte: A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio edilício, devidamente registrada, não poderá ser objeto de evicção ou de decretação de ineficácia, mas eventuais credores do alienante ficam sub-rogados no preço ou no eventual crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como da aplicação das disposições constantes da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
É evidente que condomínio edilício é instituto diferente do "condomínio de lotes de terreno urbano", figura não prevista em Lei Federal. Com efeito, é da competência da União dispor sobre a legislação civil a respeito do parcelamento do solo, em sentido amplo; e da competência dos Municípios legislar acerca do direito urbanístico, mas sempre de maneira atrelada à legislação civil.
Como observa José Afonso da Silva, "cabe advertir que o processo de loteamento se subordina a dois tipos de normas jurídicas: as urbanísticas e as civis. As primeiras são da competência municipal e visam a assegurar aos loteamentos os equipamentos e as condições mínimas de habitabilidade e conforto, bem como harmonizá-los com o plano diretor do Município, para o correto desenvolvimento urbano; as normas civis são de competência exclusiva da União (CF, art. 22, I), que dela se utilizou, editando o Decreto-lei 58, de 10.12.1937, e seu Regulamento, constante do Decreto 3.079, de 15.9.1938, e Decreto-lei 271, de 28.2.1967 - legislação, essa, substituída pela Lei 6.766, de 19.12.1979 -, visando a garantir a existência das áreas loteáveis e assegurar a regularidade das alienações de lotes, para o quê estabeleceu os instrumentos formais necessários ao loteamento e os registros convenientes à seriedade dessas transações imobiliárias, sem afetar, e até reforçando, os aspectos urbanísticos a cargo da legislação municipal - agora, contudo, sujeita à observância das normas gerais estabelecidas pela União, nos termos do art. 24, I, e §1 da CF" (SILVA, José Afonso da, Direito urbanístico brasileiro, 7ª ed., São Paulo: Malheiros, 2012, p. 328)
Mesmo Hely Lopes Meirelles, para quem as novas modalidades de parcelamento do solo "mereciam prosperar", observou: "Loteamentos especiais estão surgindo, principalmente nos arredores das grandes cidades, visando a descongestionar as metrópoles. Para  esses loteamentos não há, ainda, legislação superior específica que oriente sua formação, mas nada impede  que  os Municípios editem normas urbanísticas locais adequadas a essas urbanizações. E tais são os denominados 'loteamentos fechados ', 'loteamentos integrados ', 'loteamentos em condomínio ', com ingresso só permitido aos moradores e pessoas por eles autorizadas e com equipamentos  e  serviços  urbanos  próprios,  para  auto-suficiência da comunidade." (Direito municipal brasileiro, 15ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 561).
Luís Paulo Germanos, na monografia já citada, também ressalta a necessidade de legislação específica, federal, sobre o condomínio de lotes, para que ele venha a ser implantado; e regulamentação urbanística através de legislação municipal. Diz o monografista:
"Sob o aspecto legislativo, verifica-se que não há, em qualquer esfera de nosso ordenamento jurídico, lei específica que contemple e discipline a figura do condomínio especial por unidades autônomas de terrenos.
...
Apesar da inafastável incidência dos princípios norteadores do condomínio edilício sobre a figura aqui sugerida, emprestados tanto da Lei 4.591/64, como da nova codificação civil, entendemos que o condomínio especial por unidades autônomas de terrenos reclama lei própria para ser recepcionado no ordenamento jurídico pátrio.
Sendo patente a necessidade de uma legislação especifica, resta saber a quem compete, em nosso direito, a edição de normas sobre condomínio.
Achando-se posicionado na esfera do Direito Civil e, portanto, no seio do Direito Privado, é certo afirmar que o instituto em apreço ganhe expressão legislativa através de lei federal. Isso porque, consoante a Carta Política de 1988, compete privativamente à União legislar sobre direito civil (art. 22, I).
Uma vez contemplado o condomínio especial por unidades autônomas de terrenos em nosso ordenamento jurídico, seria salutar, para a adequada implantação de empreendimentos dessa natureza, a observância às regras de natureza urbanística.
...
Nota-se que, no que concerne à matéria urbanística, o papel legislativo da União atém-se à fixação de diretrizes e à edição de normas gerais, aplicando-se tais linhas reguladoras a todo o país, 'incidindo de modo mais intenso no âmbito municipal, que é onde ocorrem precipuamente as atuações urbanísticas'.
Se imaginarmos a fixação desses preceitos norteadores da lei que venha a regular o condomínio especial por unidades autônomas de terrenos, aos Municípios seria permitido ajustar os contornos dessa forma de aproveitamento do solo de acordo com os interesses e particularidades locais, procurando, assim, ordenar racionalmente a ocupação de seus territórios e conferir à propriedade uso adequado e compatível com o bem coletivo." (p. 87 e seguintes)
Há que se recordar, por oportuno, que tramita, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n. 3.057/2000, que visa a reformular a lei de parcelamento do solo e a criar - aí, sim, por meio de lei - a figura do condomínio urbanístico.
Não obstante a discussão sob o aspecto legislativo e conceitual da existência dos condomínios de lotes, os defensores dessa modalidade costumam apontar algumas vantagens que daí poderiam advir: a regularização de eventuais condomínios que, hoje, estão à margem da lei; a guarida ao anseio de parcela da população de viver num local mais seguro; e, sob o aspecto de política judiciária, colocar fim  ao problema da cobrança das taxas de conservação pelas associações em face dos adquirentes de lotes que não se associam; a facilitação da expansão desse tipo de empreendimento, com repercussões econômicas positivas nos Municípios.
São todas razões relevantes, mas que não justificam iniciativa da Corregedoria Geral da Justiça, quanto mais sem lei a ampará-la.
Não se tem uma estimativa, oficial, da quantidade de condomínios deitados que, hoje, são irregulares. Sua regularização, no entanto, dependeria de adequação à lei. Não são as leis ou as Normas de Serviço da Corregedoria que devem ser adaptadas para regularizar parcelamentos ou empreendimentos ilegais, mas o contrário.
O anseio de parcela da população de viver em um local mais seguro, com qualidade de vida não fica, absolutamente, comprometido pela ausência de condomínios de lotes. A opção pelos condomínios deitados, da Lei n. 4.591/64 é sempre possível, assim como, a depender dos Municípios, os loteamentos fechados.
O problema da cobrança das taxas de conservação pelas associações em face dos adquirentes de lotes que não se associam tem dado azo a um grande número de processos e a posicionamentos dissonantes na jurisprudência.  Há aqueles que entendem devida a cobrança das taxas mesmo em face dos não associados, diante da regra que proíbe o enriquecimento sem causa. Ao se beneficiarem dos serviços de conservação, segurança etc., os moradores não poderiam se opor ao pagamento, sob pena de auferirem enriquecimento sem causa. Opõe-se a esse entendimento o de que ninguém é obrigado a associar-se e, portanto, ao não fazê-lo, não se pode cobrar do morador a taxa imposta pela associação. Na figura do condomínio, o problema não subsiste, pois a taxa condominial é devida pelo mero fato do exercício da propriedade (obrigação propter rem).
No entanto, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, não é função da Corregedoria Geral da Justiça resolver essa celeuma. Cabe à jurisprudência fazê-lo ou, mesmo, à lei, caso, no futuro, venha a se regulamentar alguma outra forma de parcelamento do solo.
No que toca ao argumento da facilitação da expansão desse tipo de empreendimento, com repercussões econômicas positivas nos Municípios, é preciso apontar o reverso da moeda: as graves consequências urbanísticas que poderia haver se permitido o condomínio de lotes.
Quando se fala em condomínios de lotes, logo vêm à mente empreendimentos de alto padrão, em locais afastados, sem prejuízos à circulação. No entanto, se permitida a iniciativa, sem lei federal que a ampare, nada impediria que condomínios fossem erguidos em qualquer ponto da cidade, com qualquer padrão, sem a necessária preocupação com os requisitos urbanísticos existentes na Lei n. 6.766/79, como, por exemplo, a articulação das vias do loteamento com as vias adjacentes oficiais, em harmonização com a topografia local.
Isso poderia comprometer o urbanismo das cidades, criando um crescimento desordenado. E não se deve simplesmente colocar nas mãos dos Municípios um poder desvinculado de qualquer legislação federal, possibilitando que interesses econômicos interfiram de maneira casuística.
Para se entender os riscos que isso poderia causar devemos nos afastar um pouco do estudo do direito e buscar subsídios na área de arquitetura e urbanismo. Ainda que sem a necessária preocupação em distinguir as figuras jurídicas de loteamento fechado e condomínio de lotes, urbanistas apontam para o risco da segregação espacial que poderia advir do crescimento desenfreado de tais empreendimentos.
Tânia Maria Bulhões Figueira, ao cuidar do tema, observa:
"O principal resultado de tal 'política' (imobiliária, mais do que habitacional) foi a desarticulação dos planos relativos à expansão urbana. Desse modo, a cidades passaram a crescer seguindo  modelos  de  urbanizações  dispersas,  cujos  deslocamentos  de pessoas  e bens geraram uma série de problemas  relativos ao tráfego de veiculas e à mobilidade urbana, além do aumento com gasto energético e da população local.
Além disso, esse modelo de dispersão de espaços na cidade intensificou os processos de abandono ou subutilização de áreas tradicionais da cidade, salientou a existência de uma segregação sócio espacial e promoveu uma construção sequencial de empreendimentos que, se ainda não superaram, podem vir a superar as demandas locais - com desdobramentos negativos para a economia nacional.
Imersos ao contexto apresentado, as áreas das cidades destinadas à ocupação e            ao uso exclusivo da elite, representados no trabalho pelos condomínios urbanísticos e loteamentos fechados de alto padrão, apresentam-se como produtos dessa lógica e, simultaneamente, especialidades que a estimulam - particularmente porque colaboram com a especialização econômica dos tecidos urbanos e sua consequente segregação.
Como já enunciado na introdução desta dissertação, a produção de empreendimentos imobiliários alheios a uma concepção urbana normatizada - ao planejamento da expansão das cidades, por exemplo - acarreta uma forma urbana fragmentada, em muitos aspectos, diversa da cidade pré-existente e que é visualmente ilustrada por um 'mosaico ' de loteamentos, geralmente, disformes e dispersos" (Produção social da cidade contemporânea: análise dos condomínios urbanísticos e loteamentos fechados de alto padrão no subsetor sul de Ribeirão Preto, dissertação apresentada para obtenção do grau de mestre na Faculdade de Arquitetura e urbanismo da Universidade de São Paulo, São Carlos, 2013, p. 153)
Em sentido semelhante, Pedro Sales de Melo Suarez sustenta:
"Os eixos viários são elementos centrais para a estruturação da segregação urbana, por influenciarem o tempo de deslocamento necessário para a população realizar suas atividades cotidianas. Sendo assim, a disputa principal é em torno das localizações de maior fluidez.
O controle do tempo de deslocamento é a força mais poderosa que atua sobre a produção do espaço urbano como um todo, ou seja, sobre a forma de distribuição da população e seus locais de trabalho, compras, serviços, lazer etc. Não podendo atuar diretamente sobre o tempo, os homens atuam sobre o espaço como meio de atuar sobre o tempo. Dai decorre a grande disputa social em torno da produção do espaço urbano e a importância do sistema de transporte como elementos da estrutura urbana.
Daí decorre também a segregação como um mecanismo espacial de controle dos tempos de deslocamento" (O eixo São Paulo-Campinas, concentração de capitais e segregação urbana, dissertação apresentada para obtenção do grau de mestre na Faculdade de Arquitetura e urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014, p. 69, com citação de Flávio Villaça, Reflexões sobre as cidades brasileiras, São Paulo: Studio Nobel, 2001, p. 69).
Após abordar o tema da segregação fractal urbana nas grandes metrópoles, assemelhando o fenômeno brasileiro - mais especialmente, o paulista - às Gated Communities norte-americanas e aos Barrios Privados argentinos, Maria Camila Loffredo D'Ottaviano observa:
"Nossa tradição latina defende que a convivência entre diferentes permite uma maior tolerância social. O local por excelência de convivência de grupos sociais distintos deveria ser o espaço público. Uma questão importante colocada pelos estudiosos dos condomínios fechados é justamente a privatização do espaço público, e o fechamento para os espaços públicos adjacentes, bem como para os grupos sociais vizinhos. Já no modelo norte-americano (ou mesmo anglo-saxão), a segregação étnica e racial é uma prática historicamente aceita." (Condomínios fechados na região metropolitana de São Paulo, fim do modelo centro rico versus periferia pobre?, tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de D outor, São Paulo, 2008, p. 226)
Logo, também sob o ponto de vista do urbanismo, permitir os condomínios de lotes, sem legislação federal que os regule, seria temerário.
 
A temeridade é realçada por dois expoentes no estudo da matéria, os Magistrados Francisco Eduardo Loureiro e Claudio Luiz Bueno de Godoy. Concordes em afirmar, no plano jurídico, que o Dec.-Lei 271/67 foi revogado, apontam para os riscos urbanísticos. Diz o primeiro:
"O primeiro risco seria de natureza eminentemente urbanística, de organização e desenvolvimento das cidades. Basta circular por qualquer cidade para constatar que os loteamentos, depois de implantados, desaparecem como empreendimentos autônomos e se inserem na malha urbana. Não se percebe, no mais das vezes, quando se passa d um para outro loteamento, integrados que estão na cidade. Os condomínios de lotes formariam verdadeiros encraves na cidade, impedindo a circulação interna de veiculas. Claro que se pode argumentar que tais condomínios somente seriam aprovados em bairros distantes dos grandes centros.
Lembre-se, porém, que as cidades crescem rapidamente e alcançam bairros que hoje parecem longínquos. Imagine, por exemplo, se na década de 30 a Cia. City tivesse implantado um condomínio de lotes nos bairros então distantes e nos limites da cidade, como o Jardim Paulista, ou o Jardim América, ou o Alto de Pinheiros. Hoje teríamos verdadeiros guetos que inviabilizariam o crescimento organizado da cidade e o acesso aos bairros que se situam além deles.
O segundo risco, ainda mais grave, é o do controle dos requisitos urbanísticos dos loteamentos. Basta uma leitura rápida da L. 6.766/79 para constatar que o parcelamento do solo urbano se encontra sujeito a dezenas de requisitos de natureza cogente, tais como largura mínima de ruas, tamanho mínimo de lotes, obras mínimas de infraestrutura, vedação a implantação em terrenos impróprios (inclinados, alagadiços, contaminados...).  Se o empreendedor pode livremente cambiar de regime jurídico e escapar dos rigores da L. 6.766/79 para cair na L. 4.591/64, naturalmente irá faze-lo, se tal migração importar menores custos.
Basta imaginar a hipótese, nada acadêmica, de um empreendedor          inescrupuloso lançar um "condomínio de lotes" popular, em terreno perigoso, sem qualquer infraestrutura, com vias estreitas e lotes em tamanhos ínfimos. Bastaria a aprovação junto à Prefeitura Municipal para implantar tal "condomínio" em flagrante burla às normas rigorosas da Lei do Parcelamento do Solo. Lembro que sempre pensamos em "condomínios de lotes" de alto padrão, mas nada impede, do modo como se encontram redigidas as Normas de Serviço, sejam estendidos a empreendimentos populares.
Destaco que a aprovação de um loteamento exige aprovação muito mais rigorosa do que a aprovação de um condomínio edilício. A L. 6.766/79 e as próprias Normas de Serviço exigem, para loteamentos, licenças ambientais, procedimento de registro rigoroso, aprovação junto ao GRAPOHAB, que envolve quase uma dezena de secretarias e órgãos. Indago: qual empresário se sujeitaria a tal rigor, se pode aprovar o mesmo empreendimento como condomínio?
O terceiro problema é que o artigo 15 da L. 6.766/79 transfere para o domínio do Poder Público, no exato momento do registro do empreendimento junto ao RI, as vias públicas e áreas institucionais, destinadas à implantação de parques e equipamentos urbanos, tais como escolas e hospitais. Estima-se que cerca de 1/3 parte de uma gleba loteável seja transferida gratuitamente ao Poder Público quando do registro do loteamento.
Pergunta-se: qual empresário lançaria o empreendimento como loteamento, se pode fazê-lo como condomínio de lotes, vendendo a totalidade da gleba? Pior. Implantado o condomínio de lotes, haverá a subsequente necessidade de equipamentos públicos para atender os moradores. O Poder Público terá, então, de desapropriar áreas a elevado custo, que deveriam ser suas gratuitamente, segundo a L. 6.766/79." (fls.269/271)
O segundo corrobora:
"E tal o que se revela se se pensar na série de exigências específicas ao registro especial do parcelamento (art. 18 da Lei 6.766/79), do ponto de vista da preservação do meio ambiente e da paisagem urbanística, a cuja constatação concorre, ademais, a necessidade de aprovação prévia por inúmeros órgãos públicos de controle, o que não se dá, na mesma extensão, no condomínio especial, tanto mais se não procedido do registro de incorporação. Só para citar um exemplo do que se tenciona ponderar, pense-se na exigência básica de tamanho mínimo para os lotes, sem igual exigência para os condomínios, mesmo porque não há fracionamento da área. Quer dizer, há no tratamento legal dos loteamentos uma preocupação central - não só com os adquirentes - mas com o adensamento populacional que propicia e com os efeitos à cidade que daí decorrem, o que não parece convenha ser obviado pela subversão da própria natureza jurídica do empreendimento. " (fl. 277)
Além de temerário, entendo, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, que as Normas de Serviço têm a função de tão somente explicitar o teor da legislação, jamais indo além do que ela prevê. A Corregedoria Geral de Justiça não pode agir como legislador positivo, criando normas cuja base legal não exista. Aliás, na apresentação das Normas de Serviço, o então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Milton Evaristo dos Santos, expõe qual o seu objetivo: racionalizar e disciplinar os serviços cartorários.
Como acertadamente ressaltou o Excelentíssimo Desembargador Vicente de Abreu Amadei, "sem a disciplina normativa desta nova figura condominial em lei federal, não convém à E. Corregedoria Geral da Justiça - que, no âmbito normativo, s.m.j., pode apenas regulamentar ou desenvolver o que já consta expresso em lei (e não inovar ou criar o que ainda carece de previsão legal) - disciplinar os chamados "condomínios de lotes " (fl. 246).

Exatamente por isso, creio que, além de ser equivocado regrar, nas Normas de Serviço, os "condomínios de lotes", os itens 222.2 e 229, do Capítulo XX, que a eles, direta ou indiretamente, fazem menção, devem ser excluídos; e o item 293 deve ser adaptado.

Não obstante todos os encômios que devem ser dirigidos à iniciativa da Corregedoria Geral da Justiça de atualizar, no biênio passado, as Normas de Serviço, o trabalho, por sua magnitude, pode é deve ser revisto quando se verifiquem equívocos.
Os itens mencionados deixaram de levar em conta que estava sedimentada, havia tempos, posição contrária, do Conselho Superior da Magistratura e da Corregedoria Geral da Justiça, à regularidade do condomínio de lotes.
Além do voto paradigma antes mencionado, da lavra de Francisco Eduardo Loureiro, podem ser citados os seguintes julgamentos: Apelação Cível 2.349-0, Rel. Bruno Affonso de André; Apelações Cíveis 2.002-0, 2.002, 2.553, Rel. Des. Bruno de Affonso André; Apelação Cível 2.966-0, Rel. Des. Batalha de Camargo; Apelação Cível 10.807-0, Rel. Des. Onei Raphael; Apelação Cível 20.439-0/0, Rel. Des. Alves Braga. E, na Corregedoria, deve-se ainda dar destaque ao parecer da lavra de Kioitsi Chicuta, que, por sua clareza, merece parcial transcrição:
"Cada período histórico apresenta problemas a ele específicos e o jurista é chamado a solucioná-los, dando-lhes as necessárias soluções. Nos dias hodiernos, as necessidades de segurança, decorrentes da violência desenfreada e de violações indevidas ao patrimônio particular, fazem com que as pessoas se aglomerem em verdadeiras fortalezas nos denominados "condomínios deitados".
E o "condomínio deitado" não se confunde com o loteamento fechado, o qual, na definição do eminente Elvino Silva Filho, "consiste na subdivisão de uma gleba em lotes destinados a edificação ou formação de sítios de recreio, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos, devendo ser essa gleba cercada ou murada em todo o seu perímetro de modo a manter sob controle o acesso aos lotes" (cf. "Loteamento Fechado e Condomínio Deitado", in Revista de Direito Imobiliário 14/12). O loteamento fechado rege-se pela L. 6.766/79.
O "condomínio deitado", por seu lado, é "aquele que se estabelece na construção de casas térreas ou assobradadas, diferentemente do condomínio que se estabelece nos prédios de apartamentos ou de escritórios, construídos em vários andares, portanto, um "condomínio vertical", apesar de a maioria da doutrina denominá-lo de "condomínio em planos horizontais" ou ''propriedade horizontal" (cf ob. cit., p. 26).
Nosso sistema legal, porém, não permite um tertium genus entre o "loteamento fechado" e o "condomínio deitado". No caso em espécie, como bem anotou o eminente Procurador da Justiça Álvaro Pinto de Arruda, devem os condôminos decidir qual o estatuto que lhes deve ser aplicado. ''Ao condomínio, aplica-se a lei especifica, assim como, ao parcelamento do solo urbano, aplica-se a respectiva lei. O que não se pode é, ao sabor dos interesses do momento, criar uma figura jurídica de loteamento ou de condomínio, e aplicar, tão-só, parte de cada Lei, ao exclusivo alvedrio dos interessados"
Não houve, previamente à atualização das Normas de Serviço, qualquer alteração nesse posicionamento. Não se justifica, então, que os itens 222.2 e 229, do Capítulo XX, sejam mantidos, ou que a redação do item 293 permaneça como está. Repito: o trabalho de atualização das Normas foi colossal e extremamente bem feito. No entanto, justamente pela envergadura da tarefa de atualizar centenas de itens, é natural que haja equívocos e que, a seu tempo, eles sejam desfeitos. Não há qualquer desvalia no fato de se adequar ou suprimir algum item, sempre que se verificar a necessidade de fazê-lo. O trabalho de atualização, na verdade, é contínuo.
Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, em conjunto com os demais integrantes da equipe do extrajudicial, submeto a Vossa Excelência, sugere a exclusão do regramento dos chamados "condomínio de lotes"; a supressão dos itens 222.2 e 229; e a exclusão da menção ao art. 3º, do Dec.-Lei nº 271/67, no item 293, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
Sub censura.
São Paulo, 07 de abril de 2015.
Swarai Cervone de Oliveira
Juiz Assessor da Corregedoria (Relator)
Ana Luiza Villa Nova
Juíza Assessora a Corregedoria
Gabriel Pires de Campos Sormani
Juiz Assessor da Corregedoria
Gustavo Henrique Bretas Marzagão
Juiz Assessor da Corregedoria
C O N C L U S Ã O
Em 13 de janeiro de 2016, faço estes autos conclusos ao Excelentíssimo Senhor Desembargador MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, DD. Corregedor Geral da Justiça. Eu, Escrevente, digitei e subscrevi.
Em complementação à decisão das fls. 315/316, aprovo o parecer dos MM. Juízes Assessores da Corregedoria (fls. 299/313) e, por seus fundamentos, que adoto, determino a exclusão do regramento dos chamados "condomínio de lotes" e a supressão dos itens 222.2 e 229, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
O item 293, caput, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, passa a ter a seguinte redação:
293. Na hipótese de a irregularidade fundiária consistir na ocupação individualizada de fato, cuja propriedade esteja idealmente fracionada, as novas matrículas serão abertas a requerimento dos titulares das frações ideais ou de seus legítimos sucessores, em conjunto ou individualmente, aplicando-se, conforme o caso concreto, o disposto no art. l da Lei nº 4.591/64 ou no art. 2º da Lei nº 6.766/79.
Dada sua relevância, publique-se no D.J.E. em três dias alternados.
São Paulo, 13 de janeiro de 2016.
MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
Corregedor Geral da Justiça