sexta-feira, 26 de julho de 2013

É possível usucapião de bem integrante de herança jacente. Inviável, porém, após a declaração de vacância (STJ).

   É possível que alguém exerça posse ad usucapionem sobre bem deixado por pessoa sem herdeiro, desde que ainda não tenha ocorrido a declaração de vacância. Lembre-se que, até a declaração de vacância, o bem comporá o acervo da herança jacente e ficará sob a guarda e administração de curador. Com a declaração de vacância, o bem passa a pertencer ao pertinente ente público, embora sob a condição resolutiva consistente no eventual aparecimento de herdeiro nos cinco anos seguintes.
   Esse é o entendimento do STJ:


AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. HERANÇA JACENTE.
USUCAPIÃO. FALTA DE ARGUMENTOS NOVOS, MANTIDA A DECISÃO ANTERIOR.
MATÉRIA JÁ PACIFICADA NESTA CORTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83.
I - Não tendo a parte apresentado argumentos novos capazes de alterar o julgamento anterior, deve-se manter a decisão recorrida.
II - O bem integrante de herança jacente só é devolvido ao Estado com a sentença de declaração da vacância, podendo, até ali, ser possuído ad usucapionem. Incidência da Súmula 83/STJ.
Agravo improvido.
(AgRg no Ag 1212745/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2010, DJe 03/11/2010)

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. DESPACHO SANEADOR. AFASTAMENTO DE QUESTÕES ALUSIVAS À ILEGITIMIDADE ATIVA DA USP, USUCAPIÃO E VÍCIO DE EDITAL CITATÓRIO. ARESTO ESTADUAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA.
LEGITIMIDADE RECONHECIDA. AÇÃO MOVIDA APÓS A DECLARAÇÃO DE VACÂNCIA DA HERANÇA. RECONHECIMENTO DE POSSÍVEL NULIDADE PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRESCRIÇÃO. CC, ART. 177. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO NÃO OCORRIDO. BOA-FÉ E JUSTO TÍTULO AFASTADOS. SÚMULA N. 7-STJ.
I. Legitimidade ativa ad causam da USP reconhecida em face do ajuizamento da ação ulteriormente à declaração de vacância da herança.
II. Até a declaração de vacância a favor do Estado, corre o prazo para que o imóvel possa ser usucapido pelo particular que o detém.
III. Caso, entretanto, em que recaindo a controvérsia sobre a nulidade da escritura baseada em procuração falsa, correto o despacho saneador que afastou o reconhecimento, por ora, de usucapião ordinário, entendendo como de possível aplicação à espécie o lapso prescricional vintenário do art. 177 do Código Civil revogado, pelo que incabível, neste momento, a extinção do processo.
IV. Nulidade editalícia que recai no reexame de prova, vedado pela Súmula n. 7 do STJ.
V. Recurso especial não conhecido.
(REsp 170.666/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 14/02/2006, DJ 13/03/2006, p. 324)

CIVIL. USUCAPIÃO. HERANÇA JACENTE. O Estado não adquire a propriedade dos bens que integram a herança jacente, até que seja declarada a vacância, de modo que, nesse interregno, estão sujeitos à usucapião. Recurso especial não conhecido.
(REsp 36.959/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2001, DJ 11/06/2001, p. 196)

USUCAPIÃO. Herança jacente.
O bem integrante de herança jacente só é devolvido ao Estado com a sentença de declaração da vacância, podendo, até ali, ser possuído ad usucapionem. Precedentes.
Recursos não conhecidos.
(REsp 253.719/RJ, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 26/09/2000, DJ 27/11/2000, p. 169)

HERANÇA JACENTE. Usucapião.
- Se a sentença de declaração de vacância foi proferida depois de completado o prazo da prescrição aquisitiva em favor das autoras da ação de usucapião, não procede a alegação de que o bem não poderia ser usucapido porque do domínio público, uma vez que deste somente se poderia cogitar depois da sentença que declarou vagos os bens jacentes (arts.1593 e 1594 do CCivil).
- A arrecadação dos bens (art. 1591 do CCivil) não interrompe, só por si, a posse que as autoras exerciam e continuaram exercendo sobre o imóvel.
- Recurso não conhecido.
(REsp 209.967/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 06/12/1999, DJ 21/02/2000, p. 132)

HERANÇA JACENTE. EMBARGOS DE TERCEIRO. USUCAPIÃO.
AQUELE QUE PASSOU A EXERCER, DEPOIS DA MORTE DA PROPRIETARIA, POSSE "AD USUCAPIONEM, PODE OPOR EMBARGOS DE TERCEIRO PARA OBSTAR A ARRECADAÇÃO DE BENS PELO ESTADO.
PRECEDENTES DO STJ.
RECURSO NÃO CONHECIDO.
(REsp 73.458/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 25/03/1996, DJ 20/05/1996, p. 16715)

  A título de recordação, transcreve-se abaixo a disciplina legal da herança jacente e vacante pelo CC:

CAPÍTULO VI
Da Herança Jacente
Art. 1.819. Falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados, ficarão sob a guarda e administração de um curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração de sua vacância.
Art. 1.820. Praticadas as diligências de arrecadação e ultimado o inventário, serão expedidos editais na forma da lei processual, e, decorrido um ano de sua primeira publicação, sem que haja herdeiro habilitado, ou penda habilitação, será a herança declarada vacante.
Art. 1.821. É assegurado aos credores o direito de pedir o pagamento das dívidas reconhecidas, nos limites das forças da herança.
Art. 1.822. A declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal.
Parágrafo único. Não se habilitando até a declaração de vacância, os colaterais ficarão excluídos da sucessão.
Art. 1.823. Quando todos os chamados a suceder renunciarem à herança, será esta desde logo declarada vacante.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Será que é imprescritível mesmo a ação de ressarcimento ao erário (art. 37, § 5º, da CF)???




 
STF possui precedente no sentido de considerar imprescritível qualquer pretensão de ressarcimento ao erário, sem exigir que se trate de improbidade administrativa (STF, MS 26.210[1], AgR-RE 578428[2], AgR-RE 608831[3], RE 646.741 AgR). Anota-se que, mesmo em caso que não envolvia improbidade administrativa, o STF entendeu pela imprescritbilidade da ação de reparação, sem enfrentar, contudo, o argumento peculiar (abaixo exposto) utilizado pelo STJ acerca da similaridade com a ação popular. Logo, a nosso sentir, o tema ainda será apreciado, novamente, pelo Pleno do STF.

STJ, TODAVIA, só reputa imprescritível a ação de ressarcimento ao erário, se a lesão decorreu de ato de improbidade administrativa. Nos demais casos de dano ao erário, a reparação dos cofres públicos submete-se ao prazo prescricional de 5 (cinco) anos, em virtude da aplicação, por analogia legis, do art. 21 da Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65). O argumento do STJ é o de que a ação civil pública e a ação popular, por não diferirem quanto à finalidade (ressarcimento ao erário), devem submeter-se ao mesmo regime de prescrição, à luz do brocardo latino ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio: se o art. 21 da Lei da Ação Popular prevê prazo de 5 anos de prescrição para a ação popular, igual lapso prescricional deve obstar a ação de reparação ao erário, salvo no caso de improbidade administrativa. “A pretensão de ressarcimento de danos ao erário não decorrente de ato de improbidade prescreve em cinco anos” (STJ, EREsp 662.844/SP, 1ª Seção, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJe 01/02/2011).

A nosso sentir, para concursos, é melhor seguir o entendimento do STF, até porque há recentes precedentes do STF que, embora não tenham sido prolatados pelo Plenário, fixam a imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário em casos em que inexistia acusação de ato de improbidade administrativa (STF, RE 646.741 AgR, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 22/10/2012; RE 598493 AgR, 2ª Turma, Rel. Cármen Lúcia, DJe 13/05/2013).

Em suma, há aparente divergência entre STF e STJ sobre o tema, mas se recomenda defender, em concursos, a tese da imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário, independentemente de haver ou não improbidade administrativa.



[1] Não era caso de improbidade, e sim de ação de ressarcimento ao erário contra bolsista do CNPq.
[2] Trata-se de caso de improbidade administrativa.
[3] Não era caso de improbidade, e sim de ação de ressarcimento ao erário contra empresa de engenharia.
 
 

terça-feira, 16 de julho de 2013

"Notas sobre a Função Social dos Contratos" (prof Gustavo Tepedino)

Aos acadêmicos, sugiro leitura do texto do professor Gustavo Tepedino acerca da função social dos contratos: http://www.tepedino.adv.br/wp/wp-content/uploads/2012/09/biblioteca12.pdf

Pagamento com cheque de terceiro extingue a obrigação, se, posteriormente, houver sua devolução por falta de provisão de fundos?


Pagamento com cheque de terceiro extingue a obrigação, se, posteriormente, houver sua devolução por falta de provisão de fundos?

            a) 1ª corrente à se o credor recebeu cheque de terceiro e não fez ressalva de que a quitação da obrigação só ocorrerá após liquidação do cheque, tem-se dação em pagamento pro soluto (por aplicação da regra da cessão pro soluto) a extinguir essa obrigação. A obrigação terá sido extinta com a entrega do cheque, por se tratar de dação em pagamento. De fato, se a coisa entregue em pagamento for título de crédito (expressão que abrange não apenas as cambiais mas também os documentos relativos a créditos de índole obrigacional, e não cambial), a transferência atrai as regras da cessão de crédito (art. 358 do CC). Nesse caso, o credor assumiu o risco da solvência do terceiro e só deste poderá exigir o valor (TJMG, AI 353.225-0).

            b) 2ª corrente à a extinção da obrigação só ocorre com o pagamento em dinheiro, em moeda corrente (art. 315 do NCC). O cheque, a seu turno, só prova o adimplemento após liquidação (art. 28, parágrafo único, da Lei n. 7.357/85). Logo, a relação contratual se mantém hígida contra o devedor, enquanto o cheque de terceiro não for compensado. Ademais, não haveria falar em substituição do devedor pelo terceiro emitente do cheque, pois a condição do devedor decorre de uma relação contratual ainda hígida, ao passo que a condição do terceiro emitente sustenta-se em uma relação cambial. Descabe, ainda, falar em novação, à míngua de animus novandi. Outrossim, não se falaria em cessão de crédito pro soluto ou pro solvendo, porquanto a entrega do cheque  de terceiro configuraria, por endosso, um ato de direito cambial, não extintiva da relação contratual existente, que só se extingue com o pagamento em dinheiro à luz do art. 315 do NCC. A propósito, recorde-se que a cessão de crédito é classificada como forma de transmissão das obrigações, e não como hipótese de extinção da obrigação, consoante o NCC, de maneira que a cessão de crédito onerosa pro soluto não configuraria pagamento enquanto liquidado em dinheiro. Nesse sentido, parece ter-se inclinado o TJDFT (Ap. n. 2007.0710368989). Ademais, o CESPE se posicionou nesse sentido (concurso de Agente de Polícia/PA, de 2007[1]). No mesmo sentido, o 27º concurso do MPDFT, de 2005[2].



[1] O CESPE reputou errado este enunciado: "Considere-se que tenha sido firmado um contrato e que o devedor tenha efetuado o pagamento da quantia devida ao outro contratante, mediante a entrega de um cheque, ao portador, de emissão de terceiro, que foi posteriormente devolvido por falta de provisão de fundos. Nessa situação, o devedor se libera da dívida, com a entrega do mencionado título ao credor, passando o emitente do cheque a assumir a condição de devedor, ou seja, ocorrendo a substituição da parte devedora da relação jurídica".
 
[2] O MPDFT reputou errado este enunciado: "Suponha que foi firmado um contrato de prestação de serviço e venda de  mercadorias, tendo o devedor efetuado o pagamento da quantia devida ao outro contratante, mediante a entrega de um cheque, ao portador, de emissão de terceiro devolvido por falta de provisão de fundos. Nessa situação, o devedor se libera da dívida, com a  entrega do mencionado título ao credor, passando o emitente do cheque a assumir a condição de devedor, ou seja, ocorrendo a substituição da parte devedora da relação jurídica".

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Responsabilidade objetiva do médico por defeito do instrumento utilizado?

    Acerca da responsabilidade do médico pelo fato da coisa de que tem a guarda, assim dispõe o enunciado 459 da Jornada de Direito Civil: "A responsabilidade subjetiva do profissional da área da saúde, nos termos do art. 951 do Código Civil e do art. 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, não afasta a sua responsabilidade objetiva pelo fato da coisa da qual tem a guarda, em caso de uso de aparelhos ou instrumentos que, por eventual disfunção, venham a causar danos a pacientes, sem prejuízo do direito regressivo do profissional em relação ao fornecedor do aparelho e sem prejuízo da ação direta do paciente, na condição de consumidor, contra tal fornecedor."
   Discordo desse entendimento.
   O enunciado responsabiliza objetivamente o médico se o paciente sofrer dano em razão de defeitos do instrumento utilizado.
   Acontece que, na responsabilidade pelo fato da coisa, o comerciante não responde solidariamente, salvo os casos excepcionalíssimos do art. 13 do CDC. Só quem responde é o fabricante (art. 12 do CDC). Ora, se o enunciado considera a hipótese acima como responsabilidade por fato do produto, o médico (que se equipararia ao comerciante) também não poderia ser responsabilizado.
 Não enxergo argumento favorável ao enunciado da Jornada de Direito Civil supracitado.
  A meu sentir, o médico deve continuar a responder subjetivamente, pois o manuseio de instrumento defeituoso implicaria, na verdade, vício na prestação do serviço, a ativar o previsto no art. 14 do CDC, se houver culpa.
 Poderá o consumidor, no entanto, como consumidor por equiparação (art. 17 do CDC), pleitear a responsabilização do fabricante do equipamento defeituoso de forma objetiva, nos termos art. 12 do CDC.
  Não importa se essa solução não parece justa ao amigo leitor, pois legem habemus.