quarta-feira, 7 de setembro de 2016

MULTA PESADA E INDENIZAÇÃO MILIONÁRIA CONTRA SERVIDOR PÚBLICO POR SUPOSTA NEGLIGÊNCIA NA INTERPRETAÇÃO DE NORMAS: a insanidade do modelo atual de responsabilidade de servidores públicos.

MULTA PESADA E INDENIZAÇÃO MILIONÁRIA CONTRA SERVIDOR PÚBLICO POR SUPOSTA NEGLIGÊNCIA NA INTERPRETAÇÃO DE NORMAS: a insanidade do modelo atual de responsabilidade de servidores públicos.

Tenho uma extrema repulsa ao sistema atual de responsabilização pessoal dos servidores públicos, especialmente quando se trata de punição infligida por meio de multa elevadíssimas por órgãos de controle e de ações civis de indenização contra servidores.
Na época em que estive na Advocacia-Geral da União, conheci competentes servidores que haviam recebido multa na ordem de R$ 50.000,00 pelo fato de o TCU ter interpretado a norma jurídica relativa a licitações de modo diverso ao que o servidor havia adotado. Para um servidor que percebe remuneração de cerca de R$ 7.000,00, a punição muito provavelmente excedia o valor do próprio veículo que ele, ao longo de sua carreira de servidor, haveria de comprar.
O efeito prático disso (TODA NORMA JURÍDICA INDUZ COMPORTAMENTOS, ensinava a Douglass North) é que grande parte dos servidores que lidam com licitações e contratos não demonstram qualquer proatividade para criar novas soluções que ajudem a adaptar a lei à realidade concreta. Além do mais, é muito difícil conseguir servidor público disponível a assumir cargos de maior responsabilidade, como o de ordenador de despesa.
Conheci até um caso de uma servidora que, após ser demitida e punida pelo TCU, estava respondendo por uma ação de indenização no valor de milhões de milhões de reais. E, no caso dela, NÃO havia acusação alguma de que ela havia recebido algum benefício pessoal (uma propina, por exemplo). A única imputação feita a ela é a de que ela teria agido com negligência ao prorrogar um contrato administrativo já vencido em um contexto em que a não prorrogação iria acarretar inevitavelmente a paralisação dos serviços públicos. E o pior de tudo: essa servidora tinha feito isso com respaldo em um PARECER JURÍDICO. Aliás, nesse caso, o advogado público que deu o parecer também está sendo alvo dessa ação milionária.
O sistema atual é redondamente estúpido. O servidor público jamais consegue ter certeza jurídica prévia, pois somente depois de muitos anos é que o Tribunal de Contas haverá de dar a interpretação que ele entende ser correta, com punição severa a quem não conseguiu ter dom de vidência hermenêutica.
Penso que o sistema de responsabilização do servidor pelo TCU ou na esfera civil só deveria acontecer no caso de dolo ou fraude, à semelhança do que acontece com juízes, Defensores Públicos e Advogados Públicos em processos judiciais (art. 143 do Novo Código de Processo Civil). Uma analogia poderia ser usada para que seja adotado esse regime de responsabilidade, pois a razão de ser da norma processual para os juízes e demais atores processuais é a mesma para os demais servidores públicos que lidam com interpretação de normas jurídicas (ubi eadem ratio, ibi eadem jus). A legislação até merece ser aprimorada para abranger essa analogia de modo expresso.
Seja como for, enquanto essa questão não for resolvida, o temor da loteria jurídica do sistema atual - que submete o servidor à incerteza de saber se, no futuro, o Tribunal de Contas irá aceitar a interpretação então adotada - continuará intimidando os servidores públicos e afugentando-os de assumir funções como a de ordenador de despesa.

Brasília, 7 de setembro de 2016.
Carlos E. Elias