quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O que é dano social?

   Amigos, compartilho algumas anotações sobre o dano social. Elas são acríticas; limita-se a descrever o que a doutrina e a jurisprudência têm abordado.
 O tema ainda não é pacífico.
Abraços
Carlos E Elias de Oliveira

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                                                Danos sociais
1.       O art. 6º, VI, do CDC menciona expressamente os danos sociais.
2.    Conceito proposto por Antonio Junqueira de Azevedo, o dano social é uma nova modalidade de dano indenizável, que, apesar de sua proximidade com o dano moral coletivo, dele se distingue pelo fato de este último só se referir a danos "expatrimoniais"[1].
3.     Flávio Tartuce considera dano social como sinônimo de dano difuso, “categoria que está bem próxima dos danos morais coletivos”[2],
4.    Reconhece-se que o dano social vincula-se a um "caráter pedagógico ou disciplinador da responsabilidade civil, com uma função de desestímulo para a repetição de conduta"[3].
5.     Para Antonio Junqueira de Azevedo, "os danos sociais (...) são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida"[4]. O dano social pode, pois, gerar repercussões materiais ou morais.
6.      Exemplifica e anota Flávio Tartuce:
"Os exemplos podem ser pitorescos: o pedestre que joga papel no chão, o passageiro que atende ao celular no avião, a loja do aeroporto que exagera nos preços em dias de apagão aéreo, a pessoa que fuma próximo ao posto de combustíveis, a empresa que diminui a fórmula no medicamento, o pai que solta o balão com o seu filho. Mas os danos podem ser consideráveis: a metrópole que fica inundada em dias de chuva; o avião que tem problema de comunicação, o que causa um acidente aéreo de grandes proporções; os passageiros atormentados que não têm o que comer (eis que a empresa aérea não paga o lanche); o posto de combustíveis explode; os pacientes que vêm a falecer; a casa atingida pelo balão que pega fogo. Diante dessas situações danosas que podem surgir, Junqueira de Azevedo sugere que o dano social merece punição e acréscimo dissusório, ou didático.
Note-se que os danos sociais são difusos, envolvendo direitos dessa natureza, em que as vítimas são indeterminadas ou indetermináveis. A sua reparação também consta expressamente do art. 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor."[5]
7.    Há controvérsia quanto ao destino do valores pagos a título de indenização. Uns sustentam que devem ir para uma instituição filantrópica, por aplicação analógica do art. 883, parágrafo único, do CC. Junqueira de Azevedo sustenta isso.
8.    No mesmo sentido, o TRT da 2ª Região "condenou o sindicato dos metroviários de São Paulo a destinar indenização para instituição filantrópica (cestas básicas) devido a uma greve totalmente abusiva que parou a grande metrópole (...) (TRT da 2ª Região, Dissídio coletivo de greve, Acórdão 2007001568, Relator(a): Sonia Maria Prince Franzini, Revisor(a): Marcelo Freire Gonçalves, Processo 20288-2007-000-02-00-2. (...))"[6].
9.      O TJRS, em caso envolvendo fraude de um sistema de loterias (no jogo conhecido como “Toto Bola”, manipulava as chances de êxito do consumidor), determinou, de ofício, o pagamento de indenização por dano social a ser revertido em favor do Fundo de Proteção aos Consumidores (TJRS, Recurso Cível 710011281054, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ricardo Torres Hermann, j. 12.07.2007). Eis o que se colhe da ementa do julgado:

(...) 1. Não há que se falar em perda de uma chance, diante da remota possibilidade de ganho em um sistema de loterias. Danos materiais consistentes apenas no valor das cartelas comprovadamente adquiridas, sem reais chances de êxito.
2. Ausência de danos morais puros, que se caracterizam pela presença da dor física ou sofrimento moral, situações de angústia, forte estresse, grave desconforto, exposição à situação de vexame, vulnerabilidade ou outra ofensa a direitos da personalidade.
3. Presença de fraude, porém, que não pode passar em branco. Além de possíveis respostas na esfera do direito penal e administrativo, o direito civil também pode contribuir para orientar os atores sociais no sentido de evitar determinadas condutas, mediante a punição econômica de quem age em desacordo com padrões mínimos exigidos pela ética das relações sociais e econômicas. Trata-se da função punitiva e dissuasória que a responsabilidade civil pode, excepcionalmente, assumir, ao lado de sua clássica função reparatória/compensatória. “O Direito deve ser mais esperto do que o torto”, frustrando as indevidas expectativas de lucro ilícito, à custa dos consumidores de boa fé.
4. Considerando, porém, que os danos verificados são mais sociais do que propriamente individuais, não é razoável que haja uma apropriação particular de tais valores, evitando-se a disfunção alhures denominada de overcompensantion. Nesse caso, cabível a destinação do numerário para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pela Lei 7.347/85, e aplicável também aos danos coletivos de consumo, nos termos do art. 100, parágrafo único, do CDC. Tratando-se de dano social ocorrido no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, a condenação deverá reverter para o fundo gaúcho de defesa do consumidor. (...)
(TJRS – Recurso Cível 71001281054 – Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais – Rel. Des. Ricardo Torres Hermann – j. 12.07.2007).
10.      Outro caso:
Em Goiás, a Turma Recursal dos Juizados Especiais condenou um banco a pagar 15 mil reais de indenização por danos sociais e 2.500 reais por danos morais em razão de um cliente ter esperado muito tempo para ser atendido. O valor da indenização por danos morais foi destinado ao cliente e a reparação por danos sociais revertida em favor de uma instituição de caridade. A referida decisão, contudo, foi suspensa pelo STJ em virtude de a condenação por danos sociais ter sido em sede de recurso do banco, configurando reformatio in pejus (AgRg na Reclamação Nº 13.200 – GO).[7]

11.    Alguns julgados do STJ:


RECLAMAÇÃO. ACÓRDÃO PROFERIDO POR TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS. RESOLUÇÃO STJ N. 12/2009. QUALIDADE DE REPRESENTATIVA DE CONTROVÉRSIA, POR ANALOGIA. RITO DO ART. 543-C DO CPC. AÇÃO INDIVIDUAL DE INDENIZAÇÃO. DANOS SOCIAIS. AUSÊNCIA DE PEDIDO.
CONDENAÇÃO EX OFFICIO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. CONDENAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO ALHEIO À LIDE. LIMITES OBJETIVOS E SUBJETIVOS DA DEMANDA (CPC ARTS. 128 E 460). PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. NULIDADE.
PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO.
1. Na presente reclamação a decisão impugnada condena, de ofício, em ação individual, a parte reclamante ao pagamento de danos sociais em favor de terceiro estranho à lide e, nesse aspecto, extrapola os limites objetivos e subjetivos da demanda, na medida em que confere provimento jurisdicional diverso daqueles delineados pela autora da ação na exordial, bem como atinge e beneficia terceiro alheio à relação jurídica processual levada a juízo, configurando hipótese de julgamento extra petita, com violação aos arts. 128 e 460 do CPC.
[Extrai-se isto do relatório do voto-condutor: Em sentença às fls. 36/38, o pedido foi julgado parcialmente procedente para condenar o banco reclamante ao pagamento de: I) indenização no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais à ora interessada; e II) R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de danos sociais em favor do Conselho da Comunidade de Minaçu/GO.”]
2. A eg. Segunda Seção, em questão de ordem, deliberou por atribuir à presente reclamação a qualidade de representativa de controvérsia, nos termos do art. 543-C do CPC, por analogia.
3. Para fins de aplicação do art. 543-C do CPC, adota-se a seguinte tese: "É nula, por configurar julgamento extra petita, a decisão que condena a parte ré, de ofício, em ação individual, ao pagamento de indenização a título de danos sociais em favor de terceiro estranho à lide".
4. No caso concreto, reclamação julgada procedente.
(Rcl 12.062/GO, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 20/11/2014). Do voto do Relator, extrai-se este excerto:

     "[...]mesmo que a autora formulasse eventual pedido de condenação em danos sociais na ação em exame, o pleito não haveria
de ser julgado procedente, porquanto esbarraria na ausência de legitimidade para postulá-lo. Os danos sociais são admitidos somente
em demandas coletivas e, portanto, somente os legitimados para propositura de ações coletivas têm legitimidade para reclamar acerca de supostos danos sociais decorrentes de ato ilícito, motivo por que
não poderiam ser objeto de ação individual."

RECLAMAÇÃO. JUIZADOS ESPECIAIS. DIREITO DO CONSUMIDOR. AGÊNCIA BANCÁRIA. "FILA". TEMPO DE ESPERA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONDENAÇÃO POR DANOS SOCIAIS EM SEDE DE RECURSO INOMINADO.
JULGAMENTO ULTRA PETITA. RECLAMAÇÃO PROCEDENTE.
1. Os artigos 2º, 128 e 460 do Código de Processo Civil concretizam os princípios processuais consabidos da inércia e da demanda, pois impõem ao julgador - para que não prolate decisão inquinada de vício de nulidade - a adstrição do provimento jurisdicional aos pleitos exordiais formulados pelo autor, estabelecendo que a atividade jurisdicional está adstrita aos limites do pedido e da causa de pedir.
2. Na espécie, proferida a sentença pelo magistrado de piso, competia à Turma Recursal apreciar e julgar o recurso inominado nos limites da impugnação e das questões efetivamente suscitadas e discutidas no processo. Contudo, ao que se percebe, o acórdão reclamado valeu-se de argumentos jamais suscitados pelas partes, nem debatidos na instância de origem, para impor ao réu, de ofício, condenação por dano social.
3. Nos termos do Enunciado 456 da V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos devem ser reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas.
4. Assim, ainda que o autor da ação tivesse apresentado pedido de fixação de dano social, há ausência de legitimidade da parte para pleitear, em nome próprio, direito da coletividade.
5. Reclamação procedente.
(Rcl 13.200/GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 14/11/2014)

DIREITO COLETIVO E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE SAÚDE. CLÁUSULA RESTRITIVA ABUSIVA. AÇÃO HÍBRIDA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS, DIFUSOS E COLETIVOS. DANOS INDIVIDUAIS.
CONDENAÇÃO. APURAÇÃO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. DANOS MORAIS COLETIVOS. CONDENAÇÃO. POSSIBILIDADE, EM TESE. NO CASO CONCRETO DANOS MORAIS COLETIVOS INEXISTENTES.
1. As tutelas pleiteadas em ações civis públicas não são necessariamente puras e estanques. Não é preciso que se peça, de cada vez, uma tutela referente a direito individual homogêneo, em outra ação uma de direitos coletivos em sentido estrito e, em outra, uma de direitos difusos, notadamente em se tratando de ação manejada pelo Ministério Público, que detém legitimidade ampla no processo coletivo. Isso porque embora determinado direito não possa pertencer, a um só tempo, a mais de uma categoria, isso não implica dizer que, no mesmo cenário fático ou jurídico conflituoso, violações simultâneas de direitos de mais de uma espécie não possam ocorrer.
2. No caso concreto, trata-se de ação civil pública de tutela híbrida. Percebe-se que: (a) há direitos individuais homogêneos referentes aos eventuais danos experimentados por aqueles contratantes que tiveram tratamento de saúde embaraçado por força da cláusula restritiva tida por ilegal; (b) há direitos coletivos resultantes da ilegalidade em abstrato da cláusula contratual em foco, a qual atinge igualmente e de forma indivisível o grupo de contratantes atuais do plano de saúde; (c) há direitos difusos, relacionados aos consumidores futuros do plano de saúde, coletividade essa formada por pessoas indeterminadas e indetermináveis.
3. A violação de direitos individuais homogêneos não pode, ela própria, desencadear um dano que também não seja de índole individual, porque essa separação faz parte do próprio conceito dos institutos. Porém, coisa diversa consiste em reconhecer situações jurídicas das quais decorrem, simultaneamente, violação de direitos individuais homogêneos, coletivos ou difusos. Havendo múltiplos fatos ou múltiplos danos, nada impede que se reconheça, ao lado do dano individual, também aquele de natureza coletiva.
4. Assim, por violação a direitos transindividuais, é cabível, em tese, a condenação por dano moral coletivo como categoria autônoma de dano, a qual não se relaciona necessariamente com aqueles tradicionais atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico).
5. Porém, na hipótese em julgamento, não se vislumbram danos coletivos, difusos ou sociais. Da ilegalidade constatada nos contratos de consumo não decorreram consequências lesivas além daquelas experimentadas por quem, concretamente, teve o tratamento embaraçado ou por aquele que desembolsou os valores ilicitamente sonegados pelo plano. Tais prejuízos, todavia, dizem respeito a direitos individuais homogêneos, os quais só rendem ensejo a condenações reversíveis a fundos públicos na hipótese da fluid recovery, prevista no art. 100 do CDC. Acórdão mantido por fundamentos distintos.
6. Recurso especial não provido.
(REsp 1293606/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/09/2014, DJe 26/09/2014)



11.    Por fim, remeto-me a este texto para aprofundamento:


“Enquanto no dano social a vítima é a sociedade; o dano moral coletivo tem como vítimas titulares de direitos individuais homogêneos, coletivos ou difusos. Se na prática a diferença é tênue, do ponto de vista da categorização jurídica, há diferenças entre as construções.”

“Dano social: uma nova categoria de dano indenizável. Análise dos primeiros julgados sobre o tema








[1] TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 2: direito das obrigações e responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. P. 438.
[2] TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 2: direito das obrigações e responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. P. 437.
[3] TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 2: direito das obrigações e responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. P. 442.
[4] JUNQUEIRA, Antonio Junqueira de apud TARTUCE, Flávio. Direito civi, v. 2: direito das obrigações e responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. P. 437-438.
[5] TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 2: direito das obrigações e responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. P. 440.
[6] TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 2: direito das obrigações e responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. P. 441-442.

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